segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Venâncio Mondlane: Entre a Pedra de Sísifo e o Sonho Moçambicano

Nada mais arrogante do que acreditar que apenas criticar o sistema nos torna imunes às consequências de enfrentar as garras de uma estrutura que existia antes de nós. É uma tendência mundial desejar revoluções pacíficas e esperar consciência social de quem acumula dinheiro e poder justamente com a ausência dela. Trata-se, afinal, do bom e velho instinto de sobrevivência.

Todavia, daqui das ilhas maravilhosas de São Tomé e Príncipe, percebemos um pouco tarde que um gigante havia sido despertado em Moçambique. Primeiro, fiquei intrigado com a coragem de desafiar o status quo. Depois, admirei um orador que entende a linguagem do povo. Por fim, percebi que Venâncio Mondlane havia se transformado em VM7 — uma figura moldada pelo povo cansado do velho tabuleiro político. VM7 já não é apenas Venâncio Mondlane.

De alguma forma, estávamos aqui na ilha empolgados com as agitações sociais e com marchas cuja adesão deixava qualquer especialista em engajamento social boquiaberto. Algo estava acontecendo com nossos irmãos no continente. Então vieram os vídeos, os confrontos e os saques... Sutilmente, Venâncio caiu na antiga armadilha do messianismo político. Por muito tempo, ele andou sobre uma corda bamba. Lá do alto, todo o apoio popular parecia elevá-lo. Contudo, nessa corda invisível, Venâncio acreditou que tinha aprendido a voar. Ele lutava contra o Monopólio da Verdade e contra o Monopólio da Força. Seus apoiantes, inflamados, mas despreparados para uma guerra, não tinham como enfrentar as verdadeiras armas que disparam fogo e soldados altamente treinados.

Por outro lado, acredito que, em revoltas sociais, as pessoas depositam confiança excessiva na razão do povo e no povo da razão. Esses intelectuais, que mal sabem manejar uma AK-47, carregam consigo alguns privilégios que os tornam pensadores demais para dobrar-se ao sistema. É incrível como, nesses momentos, muitos esquecem o básico. Como Maquiavel escreveu em O Príncipe: "Todos os santos que não pegaram em armas acabaram mortos." A revolução, gostemos ou não, depende de armas. Infelizmente, os ideais são sempre pacíficos, mas a vida é violenta.

Enquanto isso, VM7 assiste aos companheiros que caem. Recebe apoio de muitos, enquanto outros aplaudem do conforto de seus lares. Um povo guerreiro vai às ruas enfrentar os resultados "oficiais" divulgados por aparelhos "oficiais", sempre defendidos por vozes "oficiais".

Por fim, a cidade está em chamas. As balas continuam a silenciar mais e mais vozes. Enquanto essa guerra de narrativasse arrasta, ativistas tornam-se saqueadores. O partido Podemos não pode, e VM7 brilha como uma miragem, com o langor de uma batalha já derrotada. As balas cantam, e VM7 surge ligeiramente mais abatido, partindo para o tudo ou nada.

Daqui das ilhas, esquecemos que Moçambique, esse baú de recursos naturais, precisa discutir a sua soberania com várias organizações que têm interesses bem claros. Manter tudo como está é economicamente vantajoso para muita gente. Se VM7 não tomar cuidado, acabará por se tornar apenas mais um desequilíbrio na cadeira do partido no poder. Uma carta a ser usada em futuras negociações com o Estado. Algo como: "Aceitem estas propostas ou virá VM8... ou VM9."

Eles não podem eliminar Venâncio Mondlane. Ele precisa permanecer ali para lembrar ao poder que, da fábrica onde se produziu a Primavera Árabe, Mohammed al-Bashir, Al-Shabab, e  muitos outros que ainda virão pode-se produzir VM7-pro... o medo precisa vencer

Neste cenário, não conseguimos acreditar numa vitória da razão de VM7. Precisamos olhar apenas para a razão da vitória. 

Quero finalizar a minha divagação que cheira à Realpolitik. Depois dessa análise que parece tirar o fôlego, desejo, como Amílcar Cabral, fechar os olhos e, permitam-me, sonhar com um Moçambique melhor para o seu povo, repleto de valores voltados para a vida. Permitam-me, povo moçambicano, imaginar-vos felizes além de todas as mortes morridas e matadas que foram provocadas pela necropolítica. Permitam-me saudar-vos pela resiliência. Como Camus, após divagar sobre o absurdo do mundo e da existência, ele diz:"É preciso imaginar Sísifo feliz." E eu digo: 'É preciso imaginar Moçambique feliz!' – A revolta é uma resposta ao absurdo.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Haylton Dias, Do Palco ao Banco dos Réus: O Show Não Pode Parar

Ao fim do dia, recebemos uma notícia que caiu como um soco no estômago. Um ídolo nacional da música, reconhecido pela sua voz magnífica, está envolvido em um escândalo de abuso sexual e pedofilia. Todos partilham imagens suas no julgamento, Haylton em lágrimas, a juíza e o seu séquito haviam batido o martelo e o desespero tomou conta daquela garganta que não podia mais cantar, apenas lamentava a própria queda. Quero ver o lado sociológico disso. 

Todavia, por anos andávamos a pregar sobre o abuso de menores, o fenómeno de "mina kiá" e todos os padrinhos que guiados por alguma vilania estavam dispostos a molestar  as afiliadas. Haylton aparece mais como um azarado, um idiota que demorou a negociar com a família como fazem muitos. Haylton não entendeu o jogo das "quatorzinhas", bem, das "trezinhas". Escolha uma moça de família pobre, paga-se pelo corpo e se der muito problema ajuda a viajar para Portugal e lá e ela se tornará problema de outrem.

Por outro lado, é o nosso músico. Ele não está fora da nossa realidade. Não é justo olhar para ele como um caso isolado. Podemos indicar muitos andando pelas ruas... eles sentam-se connosco, bebem connosco e estão entre nós. Gente como a gente. Alguns sortudos, outros poderosos... e a vida segue naquilo que Hannah Arendt chamou de o mal banal. As pessoas que fazem o mal não são pequenos monstros, são humanos demasiado humanos.

Agora quero ser polémico. A proteção da infância da filha parecer depender da tua classe social. Um pobre não poderá proteger a sua pequena filha educada por influenciadoras semi-nuas que dançam no Tik Tok sobre as seduções da superficialidade. E na pobreza, ela um dia estará chamando algum jovem de "chocolate" num vídeo erótico qualquer. Ou estará diante de um sexagenário com olhar doce de quem encontrou uma bóia de salva-vida dentro de um mar de sofrimento que a pobreza impõe... bem, posso estar exagerando nessa frase, talvez seja amor quando vejo um senil de 70 anos com o seu amor de 17 anos andando pela praia de mãos dadas. O amor tem formas interessantes de se manifestar. Os pais têm uma forma muito tranquila de se calar também... facilmente navegam entre vítimas e cúmplices... precisamos analisar.

Por fim, lembro de ter visto Lafinese falar algo sobre o assunto... mostrou alguma admiração pelo Haylton e muita tristeza sobre a situação. E pelas ruas nós sabemos o que de facto se passa, os nomes que ninguém ousa citar, nem eu... sou medroso também... olhamos uns para os outros sem a devida coragem de chamar os porcos pelo seus verdadeiros nomes. Sem coragem e questionar a família da jovem que aparentemente sabia do ocorrido... E tantos outros que por aí andam. Existem muitos "chocolates" por aqui, e boa parte ninguém ousa citar por medo. Burro foi Haylton, não soube negociar... pelos casos que não dão em nada, ou ele é um burro numa corrida de corcéis furiosos que já estão longe... além de qualquer olhar da justiça... ou o cenário mudou, e algumas ações começam a ser tomadas... Quid iuris?




segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Roupas Usadas e Ideias Obsoletas: Como o Consumo de Segunda Mão Atrasam o Desenvolvimento da África

Vestir a África" ou Despir Sua Liberdade?

A importação de roupas usadas e ideias ultrapassadas custa caro ao desenvolvimento da África. Nós, que vestimos roupas de segunda mão descartadas pelos países ricos, também adotamos, sem questionar, modelos econômicos e teorias que não têm nada a ver com a nossa realidade. Esse ciclo de dependência nos prende e reforça as desigualdades, enfraquecendo nossa economia local e sufocando nossa própria capacidade de crescer.



Mas tudo é disfarçado de boas intenções. Querem "vestir a África" com roupas que não nos servem mais e ideias que nos mantêm submissos. Dizem que é para ajudar, mas nunca falam sobre como uma indústria local e independente resolveria muito mais esse problema. Em vez disso, nos enchem de roupas descartadas e expectativas velhas, criando negócios de vendedores de segunda mão nas ruas e de ideias ultrapassadas nas esquinas da democracia, que nada trazem de novo para o povo e apenas encenam uma democracia que nunca chega.

É hora de recusar o que não nos serve mais!

É hora de uma revolução de ideias que vista o continente com a dignidade que ele merece. É hora de construir soluções que saiam daqui, de dentro, e rompam de vez com as amarras que nos vendem como “ajuda.” Devemos nos perguntar: até quando aceitaremos viver de esmolas quando podemos vestir nossas próprias ideias e caminhar com a cabeça erguida?

África, é hora de se vestir de si mesma. A luta é nossa, e o futuro também!


No cerne do capitalismo, somos instigados a consumir sem questionar. A importação de roupas de segunda mão exemplifica um ciclo que enriquece os países ricos, enquanto a África permanece cativa de sua dependência. Ao abraçarmos modelos de desenvolvimento ultrapassados, distorcemos nossa capacidade de inovação e crescimento. Aceitamos passivamente o que nos é imposto, esquecendo que podemos e devemos criar nossos próprios meios de produção.

Esse ciclo vicioso de dependência econômica e consumo de “ideias de segunda mão” bloqueia o avanço da África. Precisamos urgentemente repensar nosso consumo, investir em soluções locais e novas ideias que reflitam nossa realidade. É hora de rejeitar o que não nos serve e abrir caminho para um futuro sustentável e autêntico.




Não se trata de um embate simplista de “nós” contra “eles”. Reconhecemos que, em alguns setores, o conhecimento externo pode agregar valor. Contudo, devemos superar a dependência e questionar as narrativas que nos aprisionam. Afinal, quem nos vende soluções sempre encontrará uma maneira de culpar nossa aplicação. Por que o médico que vende próteses amputaria tantas pernas?

É hora de uma revolução! Vamos nos unir para desafiar o status quo, promover a inovação e construir um continente que cria, transforma e lidera. O futuro da África não está nas roupas usadas nem nas ideias importadas, mas na ousadia de nos reinventarmos!

quarta-feira, 24 de abril de 2024

O grupo que não pode ser nomeado vs os ingénuos


Muitos tentaram, honestamente, mas todos falharam! É preciso ser um idiota munido de muita falta de estratégia para criticar abertamente a nomeação de um grupo de músicos africanos que faz a Europa vibrar. Contra aquele que não pode ser nomeado os argumentos só passam por dois dos seguintes crivos: 


1 – Alguém que critique negativamente pela nomeação enquanto embaixador da cultura daqueles que todos sabem facilmente será chamado de invejoso, tendo ou não tendo razão. 

 

2 – Alguém que critique positivamente, certamente está tentando receber elogios da parte do grupo e passará facilmente uma aura de bajulador. (esse grupo até se sai melhor que o anterior)

 

Pois, quando se trata do mundo da real, só o mais bem-sucedido em números poderá criticar o que outro recebeu ou não. Tendo ou não tendo razão. Simples tarefa de posicionamento estratégico. Só Messi terá algo a dizer sobre Cristiano Ronaldo e vice-versa. Qualquer jogador de Benfica ou Riboque que venha a falar dos dois sem as devidas bajulações é só um invejoso fracassado. Até Neymar passaria por invejoso falando mal de um dos dois. Questão de números apenas. Ninguém quer ouvir conselhos sobre riqueza de um mendigo ou conselhos fitness que venha de alguém acima do peso. Sendo verdadeiro o conselho ou não. Um influencer do Instagram que tenha pose de Rico encontra mais ouvidos que um professor doutor em economia. Pessoas leem “Rich Dad, Poor Dad” de Robert Kiyosaki e não “An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations” de Adam Smith.

 

Por outro lado, em ciências políticas explica-se um fenómeno que chamamos de “ espiral do silêncio”. Elizabeth Neumann percebeu que numa sociedade as opiniões minoritárias tendem ao silêncio por uma questão simples - Quem se acha do grupo minoritário vai calando a sua opinião por ser impopular e os outros que possuem a mesma opinião se sentem isolados e de repente ninguém mais fala sobre por medo das represálias. Certamente não conhecerão um racista declarado em Sã Tomé. Não é coincidência, é oportunidade para tal. Porém, difícil não encontrar um racista na comunidade da Supremacia branca com tendências neonazis. Efeito rebanho. Nennhum portugês em STP vai confessar que votou no Chega, mas os números só crescem. A espiral do silêncio em ação.

 

Por fim, não se trata mais de verdade, mas sim, sobre o monopólio da verdade. Existe uma agenda do aceitável, qualquer um que fugir dessa agenda será aniquilado. E na sociedade capitalista existem vários pequenos infernos: ausência de financiamento; perda de patrocínio; cancelamento; portas que se fecham; ódio despertado nas pessoas erradas; pobreza; dsemprego; perda de status... e por consequência, alguma depressão para que o ingénuo aprenda como o mundo funciona.

 

 

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

A família tradicional santomense e os seus fantasmas

Prelúdio

Em decorrência da minha participação na resenha da semana ao convite de RSTP, acabei falando um pouco sobre a tema da família e não tive tempo para desenvolver alguns temas. 

Todavia, quero poder aprofundar alguns pensamentos que não tive tempo de o fazer ou acabei por me esquecer quando tratava sobre a "A sagrada Família" Santomense. Perdoe-me a ironia ao chamar de "sagrada família" e por emprestar o conceito ao Marx e Engels. Quero tocar em alguns pontos que podem servir de reflexão e contribuir para uma análise posterior entre os meus compatriotas. 

1 - O estado santomense é laico: 

Por qual motivo conversamos com algumas entidades religiosas e deixamos outras de lado? Se os nossos valores democráticos repousam sobre a tolerância e a coexistência de credos, religiões e até a ausência de religiões,  por qual motivo falamos de valores bíblicos e não de valores sociais?

2 - Não podemos confundir a religião com ética ou moral 

Alguém ser religioso não o torna moralmente bom. O contrário também não é verdade. Por isso, certamente assistimos um conjunto de violência social porque algumas pessoas decidiram que os seus deuses são melhores que os dos outros. Não podemos aplicar dogmas religiosos para conferir a moralidade de uma ação familiar. Posso ser ainda mais irónico, mesmo entre os cristãos, as diferentes congregações degladiam-se entre elas para instalar o monopólio da Verdade. 

3 - A lógica por detrás da Família é económica e não religiosa!

O que confere o poder de "Pater familias" ao homem é a historicidade do monopólio do capital financeiro. O Pai é respeitado por poder prover a família, e com isso, ele decide quem vive e quem morre. Além disso, detém o monopólio da violência, tendo a força para punir. - Parece bem animalesco o que digo, pois é... somos animais com um pouco mais de linguagem e capacidade abstracta. Basta notar que a revolução sexual feminina ocorre quando a mulher entra no mercado de trabalho e ganha alguma independência. Pela primeira vez na história as suas vozes podem ser ouvidas no mundo ocidental e não ser ouvida não levaria ao perecimento físico. 

4 - O corpo da mulher, entre o controle e a vontade de liberdade 

O corpo da mulher sempre foi objeto de controle. A religião sempre tentou controlar o desejo sexual da mulher chamando-o de diabólico e abominável. Elas mentirão até a morte para simular que não são atravessadas pelos mesmos instintos sexuais que caracterizam os homens. Eu não as julgo, é um ato de sobrevivência social. E claro, foi legando para a mulher um papel secundário... não celebra missa, não virarão representante de São Pedro e jamais serão chamadas "Mater Familias". A partir de momento que algumas mulher ascendem ao poder e independência financeira, estragam a dinámica de relacionamento "tradicional". Primeiro, porque os homens tradicionais foram ensinados a prover e já não o podem e e as mulheres ensinadas a obedecer os provedores, já não conseguem olhar para um ser que está abaixo na escala financeira e o respeitar, porque o único tipo de respeito que foram ensinadas a ter é a intimidação física e financeira. Portanto, os valores familiares não são afetivos, mas puramente económicos e de segurança.

5 - Não podemos entender a perda de "valores familiares" olhando para os fenómenos religiosos.

Desde a filha que sustenta os pais e traz dinheiro para casa e com isso compra o silêncio e os deixam apenas desempenhar o papel de meros obedientes; desde os filhos que não precisando dos pais economicamente mudam de comportamento diante dos mesmos... nada disso é religioso e nunca foi. Desde o marido que tem 4 mulheres "oficiais" e nenhuma reclama; desde o rei que possuía várias concubinas e todas concorriam pelo seu afeto... nada disso é e jamais será religioso. É tudo sobre dinheiro e poder. Desde o pastor que "come" as ovelhas a partir do discurso sobre o invisível e ninguém desconfia porque ele em tese é padre ou pastor, e certamente teria a superioridade moral para não se deixar guiar pelos desejos mundanos, mas como devem saber, a carne é fraca. 

Em conclusão 

Aprecio que o presidente esteja preocupado com a situação das famílias. Que cada criança na rua sangre o coração de quem está na cabeça da nossa santa nação. Contudo, agradeço que possamos olhar além de toda a metafísica e tratar do mundo da vida. Os valores bíblicos são políticos e não refletem a nossa época. Precisamos entender como TikTok, Instagram e Facebook estão destruindo os "valores" familiares... precisamos entender como a fome tem prostituído as famílias e levado ao feminicídio e causando a crise de famílias monoparentais. Precisamos ver como as drogas lícitas e ilícitas estão afetando as famílias. Precisamos acabar com a depressão causada pela carência afetiva e sensação de estranhamento diante do mundo. Sobre Deus, deixe que cada um pessoalmente cuide da sua fé e que os padres e pastores possam falar à sós com seus amigos invisíveis. 











quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Soluções inividuais para África, não passam de pura masturbação egóica!

Eu sei, tu sabes e nós sabemos. Adoramos a ideia do negro que veio do nada e através de uma luta contra o Golias sistêmico, ele vence e impõe ao mundo a sua estética. A África parece vencer. O público aplaude, temos motivo de orgulho, de repente Pantera Negra torna-se Wakanda e o Partido Pantera Negra cai no esquecimento. De repente a Lupita Nyong'o do alto do conforto dos seus holofotes é autorizada a passar por especialista sobre africanismo, claro,  desde que não comprometa os meios de produção capitalista e é tida como musa do ativismo negro. Angela Davis torna-se um papel retorcido no armário do esquecimento. 

Por consequência, temos de parar de erigir heróis como se buscássemos representantes por uma África melhor. Primeiro veio o Obama, sentimos orgulho de ter "um dos nossos" ali, bem, não correu muito bem. Outros heróis negros vieram. Um conjunto de estrelas africanas ressurgindo através das grandes gravadoras cantando sobre amor e festa, de repente, Fela Kuti fora do mainstream, Miriam Makeba também e todos os cantores focados em apontar para as falhas do sistema que produz pobreza deixaram de ter voz. O que vende é sexo, alienação, perucas, dreadlocks, todos os traços superficiais do africanismo desde que os seus valores mais importantes não venham à tona. 

Todavia, queremos a jornada do herói capitalista. Ninguém quer ser o gajo que lutou por um mundo melhor e mal conseguiu ter três casas e dois carros e corpos para o seu uso doméstico. Sankara, Lumumba, N'Krumah, ... pálidas lembranças que faz sentido citar mas não viver. Ao fim do dia, queremos sentar no nosso sofá, deslizar os dedos sobre os nossos iphones e foda-se a grande luta. Queremos um influencer para nos dizer que existe uma forma de se dar bem nessa crise. 

Portanto, pouco importa se o chocolate que comemos vem do trabalho escravo na Costa de Marfim. Pouco importa se o nosso iphone tem o sangue de incontáveis congoleses nas minas. Pouco importa se as nossas roupas favoritas cheiram o suor das pessoas mal pagas no Bangladesh, México ou Paquistão. "o consumo alivia o sofredor" - diriam os Racionais Mc's. 

Na verdade, estou só farto dos que acham que os santolas são preguiçosos quando fazem o trabalho por um valor que ninguém na Europa aceitaria. Estou farto de pessoas que querem salvar o mundo, mas estão implorando para que façam parte da festa dos opressores. Estou farto dos que não conseguem perceber que não se trata de cada um lutar para ter carros com pneus maiores, mas sim, juntos construímos uma estrada coletiva. Nunca houve lados, apenas alguns espertos com medo que se apossaram de tudo e criaram uma África que os filhos tentam a todo custo escapar para não voltarem mais. 

Mané, Mbappé ou Salah, ou mesmo Michael B. Jordan, eles estão lá! Nós admiramos os seus feitos, mas as nossas lutas não são iguais! "They don't care!". Beyoncé não quer saber da negra pobre da perfieria do Gana. Ela fala do empoderamento para mulheres burguesas. Jay-z não se importa com os meninos na mina do Congo. Os ídolos negros pop não são nossos amigos e não se importam com aqueles que não lhes possam pagar. Precisamos voltar para o Cabral, DuBois, Sankara e Malcolm X. 

Foda-se Wakanda, isso é apenas masturbação para negros burgueses! Vamos olhar para África real. 



quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Ao fim do dia, somos todos idealistas (5 aforismos)


1.

Estamos convencidos de que as pessoas não são confiáveis. Geralmente quem diz isso parte do pressuposto que seja confiável. Que todos exceto ela não são confiáveis. Que podemos esperar traição e inveja de todos, menos dessa alma pura. E ao fim do dia, todos pensam que são essa exceção.

2.

Posso ser ainda mais sarcástico, se eu vos disser que 95% dos santomenses pertencem ao famigerado clube dos idiotas – todos concordarão comigo e ao mesmo tempo se considerariam parte de um clube seleto reservado às figuras proeminentes. Em caso de dúvida, basta notar como todos os santomenses se sentem a exceção à regra e possuidor de privilégios morais e sociais quando estão diante de uma situação que exija algum nível de legalidade. Uns citarão até o código cívil. 

3.

Ninguém tem mais conselho para dar sobre a riqueza do que aquele que acredita ter encontrado a receita do sucesso. Ele vai falar-te do início difícil e improvável, conta um conjunto de histórias sobre a decisão estratégica que teve na vida. Ao fim de vários discursos dignos de aplausos, ele respira, e fala do quanto a família e os amigos o invejam na atualidade… eles invejam a sua mota Suzuki 100, sua casa caindo aos pedaços e o seu harém de esfomeadas que o assediam nos horários impróprios.

4.

Elas dirão que os homens santomenses não prestam! Elas dirão que somos cães guiados pelos nossos hormônios. A pergunta que fica no ar é a mesma: de onde vem tantos cães se não há cúmplices do género oposto?

5.

Depois de 83 os meus queridos compatriotas não puderam mais pensar além do próprio estômago. Época difícil, crise de fome no país e o poder da abstração não ia além do almoço. Depois de uns mamões cozidos e folhas místicas toda a economia-política passou a girar em torno de retirar o máximo possível, guardar, e lembrar que os tempos sombrios virão e precisamos ter algum farnel, quer para o pequeno gangster bem como para a família – questões de sobrevivência apenas 


sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

“Há quem tenha medo que o medo acabe…”

Faz alguns anos que me deparei com essa frase, na verdade uma frase resultante de uma palestra de Mia Couto. Por algum motivo, eu relaciono logo com o pensamento de Krishnamurti de que enquanto houver medo, não haverá liberdade.

O medo aparece como um lembrete de que a nossa sobrevivência está em risco. O medo de dizer o que pensa porque a tua sobrevivência depende do teu empregador; Medo de intimidade ou vulnerabilidade porque poderá ser usado pelo teu parceiro/a contra ti; medo de não poder consumir artigos de moda, porque os outros podem não te dar valor; medo de cair do patamar financeiro, pois conquistaste o amor com status económico e tens medo que a relação não resista às dificuldades. Medo… medo de seguir o que gosta, pois, tem grandes chances de não se dar bem no mercado de trabalho.

Todavia, tenho visto jovens realmente com medo… medo do mercado de trabalho, de não ser encaixado e ter um rótulo de insucesso. E é a partir desse medo que se inicia todo o jogo de dominação simbólica. Os bambus que não se dobraram ou os que não se mostraram flexíveis acabaramm por ser quebrados…

Destarte, o medo enquanto uma algema ideológica. Com o medo criamos o nosso paraíso artificial de fuga: Lisboa, Londres; Partidos Políticos.. suicídio; criamos uma carreira; um personagem para os outros. Deste raciocínio resulta uma sociedade líquida, não quero mais citar Baumann, mas é isso. As relações por carência; as amizades por conveniência e a obediência por medo de punição.

Logo, como podemos tirar das nossas relações humanas algo de real? Daí decorre tantos inertes ansiosos e depressivos funcionais? Daí decorre a necessidade de elementos químicos para fugir da realidade? Se a tua vida está miserável, a solução não está no novo ansiolítico, mas em mudar de vida. E muitas vezes numa revolução pessoal em prol da autenticidade; mora na recusa em aceitar absurdos guiados pelo medo. Pois, é muito difícil abafar a insistente voz da nossa consciência. Que o único mestre seja nossa própria consciência!

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

O problema da ostentação é que ela funciona e é atraente!

Sempre estive entre os idealistas. Pessoas com uma visão bem particular da realidade que e do alto da sua bolha achavam que o mundo era movido por ideais e boas intenções.  

Todavia, as reações humanas não passam incólumes às propagandas do capital; ao fetiche da mercadoria. Boa parte das pessoas experienciam a felicidade a partir da aquisição de coisas e corpos.

Vejam, só por um momento, quais são as páginas que mais possuem seguidores… Não são essas mesmas moças com as mesmas posturas e fotos parecidas com o mesmo tipo pode roupa? Não são esses homens ostentando lugares, experiências e capacidade de consumo?

Com efeito, alguns mais conscientes dirão: os homens não querem esse tipo de mulher? A mulheres não querem esses homens superficiais que não têm nada além do corpo e o dinheiro para sublimarem… ledo engano, são esses os mais assediados. A academia dirá – eles não são amados por aquilo que eles são, pois, são superficiais e materialistas. Sinto muito, mas a sociedade como um todo é superficial e materialista. Ninguém quer saber o que um pasteleiro da esquina tem a dizer, mas sim, CR7 ou Bill Gates. É muito provável que quando te perguntam o que fazes da vida, na verdade, estão te perguntando: como mereces ser tratado de acordo a tua capacidade de consumo e influência.

Eu olho homens em festas e as mulheres também. O ritual de acasalamento está ali. Elas de facto prestam atenção à marca de roupa; os carros estacionados lá fora; O sorriso de quem venceu na vida enquanto fuma shisha. Do outro lado, os homens seguindo com os olhos os peitos duros brincando com a roupa; as nádegas rígidas desafiando a lei da gravidade; as danças sensuais imitando um ritual de acasalamento alienígena. E esses estereótipos coexistem e formam o consenso.

Todavia, sim, é o teu corpo e a capacidade de consumo que vai te tornar atraente à maioria das pessoas. E quando falo de capacidade de consumo, não entendam como somente o supérfluo, mas o necessário também. É a capacidade de ter um plano de saúde em Portugal que te mantém vivo em São Tomé. A capacidade de viver em uma casa com boa insolação, água potável e canalizada que te mantém saudável. É o dinheiro que decide a qualidade da tua alimentação e a tua experiência cultural. Podemos ignorar o jogo, mas não as consequências de ignorar o jogo.

Quero ir ainda mais longe… tantos homens que encontro no bar tendo ataque de pânico porque o dinheiro está fugindo, a mulher não o respeita mais e os filhos que viam nele um saco azul passam a lhes ignorar. De repente, as cenas de ciúmes começam, a mulher rejeita-o sexualmente e os amigos de copo não o convidam mais. O único elo que liga a família e uma boa amizade muitas vezes é só o dinheiro.

Um jogo interessante, se através da ostentação conquistas e manténs, com a fuga do capital, de facto acreditas que ela ficará por uma força abstrata qualquer? Se ao ostentares o corpo em mil redes sociais atraíste olhares, acreditas que, ao perder ou no surgimento de uma outra concorrente melhor, ele ficará com base em teus valores que nunca foi o interesse primordial?! – Se estamos comprando afetos, precisamos saber que estamos comprando. Tim Cook não passa a morrer de amores por ti após comprares um produto da Apple. Just doing business!

sábado, 23 de setembro de 2023

Sentes-te triste? sorria, não resolve, mas a pessoal dará "like"

Posso facilmente adivinhar como é que a maioria da minha geração se sente – ansiedade; medo do inferno capitalista - pobreza; sensação de estar sendo socialmente vigiado; depressão; sensação de não se encaixar…

O evangelho aos pobres tem uma lógica interessante – podes controlar tudo o que te acontece, é uma questão de mindset. E caso não consigas aqui na terra, existe um outro mundo, mas claro, pós-morte, onde alcançarás a glória reservada aos humilhados.

Custava-me ver a forma como as pessoas justificam a sua desgraça. Está aí um bom momento para ver o poder ideológico. Alguém que perde um ente querido por falta de cuidados médicos de qualidade ou por falta de dinheiro para tal, acredita piamente que estava escrito e deus assim quis. A mesma lógica que faz ter tantas igrejas nos locais mais pobres e onde abundam desgraçados.

Por outro lado, as pessoas criadas em privilégios tomam por natural os seus privilégios também. Conheci muitos que tratavam outras como idiotas por não conhecerem “Disney Channel” ou McDonalds. Eles acreditavam piamente que nasceram com alguma inteligência superior e por mérito próprio chegaram onde chegaram. Pessoas que do alto do seu Toyota Prado oferecido pelo pai olham para uma menina vendendo saldo na rua e veem nela uma disputa legítima pelo topo.

Por consequência, a lógica ainda é mais caricata. A solução encontrada pelos pobres é a imitação do comportamento dos privilegiados. Fingir que os problemas sociais não existem para eles. Apoiam as pessoas que retiram seus direitos como se fossem iguais. Por proteger os privilégios de A ou B julgam possuírem a mesma identidade.

Uma prostituição moral interessante. Lógica de uma mulher espancada pelo marido que precisa fingir que nada acontece para que a sociedade não a condene. Julga normal porque muitas mulheres são espancadas, porém, não se atreve a rebelar. Tem dias que se sente abençoada, ao menos o marido não lhe cortou o braço como o marido da vizinha. Por isso, só posso concluir que existe uma cumplicidade.

Acreditas que a tua depressão passará com meditação? Oração? Pensamento positivo? gurus? – Não, dinheiro apenas. A maior ameaça ao amor continua sendo a falta de liberdade financeira. Está aí o poder ideológico. É a falta de dinheiro que te joga em trabalhos doentios, cursos contra tua natura e quantas das discussões entre os casais não giram em torno desse vil metal?

Venâncio Mondlane: Entre a Pedra de Sísifo e o Sonho Moçambicano

Nada mais arrogante do que acreditar que apenas criticar o sistema nos torna imunes às consequências de enfrentar as garras de uma estrutura...