quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Sem Medo, Nada Funciona: a verdade sombria por trás da produtividade



Estamos a viver uma época em que o medo já não é apenas um sentimento: tornou-se uma infraestrutura invisível, uma tecnologia silenciosa que organiza a vida, o trabalho e até os sonhos das pessoas. Sob a aparência de “gestão”, “produtividade” e “eficiência”, escondemos uma máquina que opera na sombra,  uma verdadeira máquina que devora a vitalidade humana e espiritual em nome da sobrevivência. Um sistema que parece ganhar vida e converte mentes criativas em verdadeiros serviçais.

Krishnamurti diria que o medo é um movimento do pensamento.
Krenak diria que o medo é o sintoma de uma humanidade que deixou de sonhar.
Mbembe diria que o medo é a política que governa corpos, territórios e futuros.

E todos estariam certos.

O medo como forma de governo

O mundo contemporâneo transformou o medo em método.
Gestão é, muitas vezes, outra palavra para administração da ansiedade.
Gestores podem toranr-se facilmente em capatazes de um sistema que eles mesmos desconhecem. É preciso uma gestão que seja libertadora.

Gerimos prazos como quem gerencia assombrações.
Gerimos pessoas como quem administra riscos biológicos.
Gerimos recursos como quem controla uma pandemia emocional.

A “boa gestão” tornou-se a arte de manter todos suficientemente assustados para produzirem, mas não assustados o bastante para fugirem. É um equilíbrio macabro que revela o fracasso interior da nossa civilização.

Mbembe lembra-nos que vivemos num regime que organiza vidas e mortes: uma “necropolítica”.
No mundo corporativo, não se mata o corpo: mata-se o sentido, mata-se a imaginação.
Mata-se devagar. Devagar o suficiente para que se produza muito antes da morte final. 

O humano reduzido ao algoritmo do medo

Krishnamurti observou que a mente humana está condicionada há milênios.
Hoje, esse condicionamento não é apenas psicológico:
é sistémico, tecnológico, maquínico.

Somos instruídos a acreditar que:

  • se não fores produtivo, deixas de merecer existir;

  • se não corres, ficas para trás;

  • se não entregas, és descartável;

  • se descansas, és suspeito.

O medo tornou-se a moeda espiritual da modernidade.

E o mais aterrador: nós internalizamos o opressor.
O chefe já não está no escritório.
Mora dentro da cabeça.

“Terra é gente”  e a gestão esqueceu de viver

Ailton Krenak diz: Terra é gente.”
Ou seja, não há fronteira entre humano e natureza.
Mas a gestão moderna opera como se fôssemos máquinas separadas do cosmos.

Gerimos projetos, mas não gerimos o espírito.
Gerimos cronogramas, mas não gerimos o sonho.
Gerimos KPI’s, mas esquecemos do céu.

Fomos amputados da vida.
Desconectados do rio, da noite, da dança, do sagrado.

Krenak chamaria isso de humanidade em coma.

E é por isso que temos medo:
porque esquecemos que pertencemos a algo maior do que nossos cargos.

A grande mentira da segurança

O medo nasce da busca desesperada por segurança.

Mas que segurança existe num mundo que está a desabar em crises ecológicas, espirituais e políticas?
Que segurança existe em empregos que desertificam a alma?
Que segurança existe numa vida que perdeu o riso?

A promessa de segurança é o truque mais brutal da gestão contemporânea.
Porque ela pede a tua liberdade em troca de uma proteção que nunca chega.

Krishnamurti diria:

“Quando você busca segurança no que é instável, está a criar a semente do medo.”

E quase tudo no nosso mundo é instável.

Como sair dessa prisão? Não por métodos. Mas por rasgo.

Não há técnica de gestão capaz de libertar o humano do medo.
Porque o medo não é um problema técnico.
É um problema ontológico.

O que precisamos é de um rasgo existencial.

Uma insurreição do espírito contra o condicionamento.

  • Sair da gestão como controle.

  • Entrar na gestão como cuidado.

  • Sair da produtividade.

  • Entrar no encantamento.

  • Sair da lógica do medo.

  • Entrar na possibilidade de estar vivo.

Krenak chamaria isso de adiar o fim do mundo.
Krishnamurti chamaria de libertar-se da autoridade interna.
Mbembe chamaria de recusar o destino imposto pelos dispositivos de poder.

Um novo começo: gestão como um ato poético

Talvez a gestão do futuro não seja um manual.
Seja um ritual.

Não um conjunto de tarefas.
Mas um modo de conversar com o mundo.

Talvez gerir seja:

  • Sentar-se com a equipe como quem se senta em volta da fogueira.

  • Pausar o trabalho para ouvir a chuva.

  • Criar espaços onde ninguém precisa ter medo.

  • Inventar novos futuros que não cabem em relatórios.

Talvez o gestor do futuro não seja um técnico.
Seja um guardião do sonho.

Porque quando o medo desaparece, o humano reaparece.
E quando o humano reaparece, a gestão deixa de ser uma prisão
para tornar-se uma arte de continuar vivo num mundo que tenta nos adormecer.

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