quinta-feira, 13 de abril de 2023

E o piolho está na cabeça de todos nós.

 

Existe uma receita básica para inflar o interesse das pessoas por um determinado tema: o ridículo. Sempre foi explorado em todas as partes do mundo e com resultados surpreendentes. A fórmula de chamar atenção pela atenção com conteúdos chocantes – uma receita pós-moderna, uma receita kardashian.

Mister Page é um herói trágico, do meu ponto de vista. Eu via-o andar de lugar em lugar usando as suas roupas extravagantes e se declarando cantor. Humilhação após humilhação dos demais que desacreditam o seu talento. Ele foi de dor em dor sem nunca perder o entusiasmo por uma vida com base na sua arte, naquilo que o deixa feliz, a música. Ele venceu a resistência (desculpas que se dá para não seguir o que se ama), ele superou o conceito existencialista de má fé (colocar nos outros a culpa pela forma como age ou por não estar onde desejaria estar). E agora ele olha o piolho por cima das nossas cabeças.

Por outro lado, conheci muitos cantores que em quesito talento e oportunidades superavam facilmente o Mister Page. Onde eles estão? Uns em depressão, outros buscam emprego “de verdade” e os outros sequer conseguiram sair do banheiro. Outros até, acredito que muitos agora, maldizem de todos que tentam seguir o talento ou a vontade de cantar chamando-os de imaturos, infantis e ridículos.

Por consequência, posso até falar de mim. Sempre gostei de escrever e perco horas lendo coisas e acumulando experiências na esperança que um dia, enfim, venha uma obra magna da minha parte e eu tenha finalmente a ousadia de me declarar escritor. Mas não consigo, o desemprego assombra-me, a ideia de que não sou bom o suficiente está ali. Passo dias pensando na carreira de escritor e poeta que nunca segui de facto. Tive ótimas oportunidades para seguir a vocação, mas faltou aquilo que Mister Page tem de sobra, coragem e perserverança… faltou a coragem do neu vizinho Ghost, do meu amigo Brother, lafinesse, Okapa,… o piolho está na minha cabeça também.

Por fim, creio que Mister Page tenha percebido o óbvio das redes sociais: as pessoas compartilham mais o que acham ridículo do que outra coisa qualquer. Basta olhar para o The Voice, ninguém se lembra do vencedor, mas todos se lembram dos que fizeram papel de ridículos. Até a audiência do The Voice é maior durante o casting. O piolho está ali também, o público quer ser entretido apenas.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Venâncio Mondlane: Entre a Pedra de Sísifo e o Sonho Moçambicano

Nada mais arrogante do que acreditar que apenas criticar o sistema nos torna imunes às consequências de enfrentar as garras de uma estrutura...