sábado, 29 de abril de 2023

Notas sobre Relações líquidas em uma Sociedade do Espetáculo

 

Faz tempo que não vejo almas nas pessoas, sempre constatei que tudo de tornou uma mercadoria. Pessoas aprendem sobre relações com tik toks, com blogueirinhas do Instagram e memes. E para quem tem essas ilusões, só outros atores conseguem vender isso. O que Guy Debord diria em Sociedade do Espetáculo – “A ilusão é sagrada, a verdade é profana”

Todavia, é tudo um espetáculo. De figuras que aparecem de fato e gravata com sotaque lisboeta e parecem mais iteligentes do que são e socialmente mais relevantes. De jovens abrindo garrafas de whisky como sinal de macho alfa dominante, isso funciona, e atraem olhares penetrantes. De casais perfeitos que tomamos por felizes por causa das imagens que propagam... um triste espetáculo.

Vejamos, pensando em um relacionamento, terá como ideia a publicidade onde algo excitante ocorre o tempo todo como num filme… e no filme as mulheres são figuras passivas que precisam ser bajuladas o tempo todo. esquecem que isso é entertrenimento para vender produtos. A imagem do homem provedor que atualmente precisa vir de Londres, precisa vestir camisolas de jogadores de NBA e estar fumando shishas o tempo todo. É uma imagem que transmite um conceito que acaba sendo repetido por todo canto da ilha. Ser simples é “boring”, não ser notado é um sacrilégio.

Com efeito, só temos atores de imagens já criadas. Como se a ficção e a realidade não pudessem mais ser separadas. Todos os perfis femininos são iguais, mesmos ângulos, sublimação das mesmas coisas e os seus amores acabam sendo super semelhantes. Basta andar pela rua e reparar que todas se vestem da mesma forma e adoram as mesmas marcas.

Por fim, ninguém ama ninguém, boa parte não tem alma, tudo se trata das imagens que as pessoas absorvem, escolhas feitas para elas. E quando julgam gostar de facto de alguém, trata-se somente de um amor por uma marionete que saindo de controle o mestre de marionetes sente-se frustrado. Precisamos de mais remédios para esconder que esse modelo fantasioso não está adoecendo as pessoas… a relação afetiva trnou-se um jogo de números, uma ficção, uma representação de casais frustrados. Um conjuntos de ansiosos sociais usando máscaras.

quinta-feira, 13 de abril de 2023

E o piolho está na cabeça de todos nós.

 

Existe uma receita básica para inflar o interesse das pessoas por um determinado tema: o ridículo. Sempre foi explorado em todas as partes do mundo e com resultados surpreendentes. A fórmula de chamar atenção pela atenção com conteúdos chocantes – uma receita pós-moderna, uma receita kardashian.

Mister Page é um herói trágico, do meu ponto de vista. Eu via-o andar de lugar em lugar usando as suas roupas extravagantes e se declarando cantor. Humilhação após humilhação dos demais que desacreditam o seu talento. Ele foi de dor em dor sem nunca perder o entusiasmo por uma vida com base na sua arte, naquilo que o deixa feliz, a música. Ele venceu a resistência (desculpas que se dá para não seguir o que se ama), ele superou o conceito existencialista de má fé (colocar nos outros a culpa pela forma como age ou por não estar onde desejaria estar). E agora ele olha o piolho por cima das nossas cabeças.

Por outro lado, conheci muitos cantores que em quesito talento e oportunidades superavam facilmente o Mister Page. Onde eles estão? Uns em depressão, outros buscam emprego “de verdade” e os outros sequer conseguiram sair do banheiro. Outros até, acredito que muitos agora, maldizem de todos que tentam seguir o talento ou a vontade de cantar chamando-os de imaturos, infantis e ridículos.

Por consequência, posso até falar de mim. Sempre gostei de escrever e perco horas lendo coisas e acumulando experiências na esperança que um dia, enfim, venha uma obra magna da minha parte e eu tenha finalmente a ousadia de me declarar escritor. Mas não consigo, o desemprego assombra-me, a ideia de que não sou bom o suficiente está ali. Passo dias pensando na carreira de escritor e poeta que nunca segui de facto. Tive ótimas oportunidades para seguir a vocação, mas faltou aquilo que Mister Page tem de sobra, coragem e perserverança… faltou a coragem do neu vizinho Ghost, do meu amigo Brother, lafinesse, Okapa,… o piolho está na minha cabeça também.

Por fim, creio que Mister Page tenha percebido o óbvio das redes sociais: as pessoas compartilham mais o que acham ridículo do que outra coisa qualquer. Basta olhar para o The Voice, ninguém se lembra do vencedor, mas todos se lembram dos que fizeram papel de ridículos. Até a audiência do The Voice é maior durante o casting. O piolho está ali também, o público quer ser entretido apenas.

quarta-feira, 12 de abril de 2023

O remédio budista para o fim do sofrimento.

 


De acordo com o pensamento budista, a causa maior do sofrimento reside nos nossos desejos. Diante dessa afirmação, a mente corre rapidamente para a ideia de que não desejar é a solução. Isso é não entender a natureza da mente. Desejar não desejar ainda é desejar. Buda estava falando do desejo pelas coisas não correctas. Os desejos não podem não ser desejados, mas entendidos, desaparecem como bolas coloridas.

Com efeito, se desejamos algo passamos por duas fases: não ter e ficar ansioso ou ter e ficar entediado. Posso fazer uma relação rápida com a ideia de amor em Platão que se fundamenta no desejo. Para Platão amor = desejo. Qual é o problema? Assim que se tem o objeto do amor, vem o êxtase e após isso o amor acaba. Só o cego pode desejar ver. O desejo mostra a nossa falta, mostra a nossa insegurança e prega-nos uma armadilha existencial. Se só desejo o que não tenho, o desejo reside na falta. Os relacionamentos tornariam uma espécie de lançamento de Iphone, após experimentar os dissabores de lidar com a realidade, um novo modelo é lançado e nos convencemos que o futuro será melhor.

Buda diria, tenha cuidado com as coisas que desejas, por esses desejos correrás riscos desnecessários e projetarás a tua felicidade em coisas bem fugazes ou passageiras. Buda despertou para a vida quando conheceu o mundo real. A morte, a doença, o envelhicmento… a perda. A natureza transitória do corpo e das coisas que tomamos por eternas causam sofrimentos reais. Os nossos pais ou filhos morrerão, o nosso corpo entrará em colapso, um dia morreremos também. Precisamos reconhecer isso como parte da vida.  Evitar isso é evitar a vida… é urgente viver realmente e sem distrações.

Buda no momento de iluminação meditando nas árvores salas gêmeas percebeu o Mara, a ilusão. É fácil alguém se iludir enquanto crê iludir o outro. Que nem um aluno que copia na prova e crê driblar o sistema mas acaba perdendo a oportunidade de desenvolver uma competência útil à vida. Mara representa a ilusão, Mara vive dentro de nós e funciona como a força que nos impede de ver a Verdade. Ele está no véu de Maya que não nos permite ver as coisas como são.

Qual Verdade?: a transitoriedade das coisas. Hoje estamos vivos, amanhã não. Não podemos controlar os pensamentos e as ações dos outros. O mundo é caótico. As pessoas que gostamos vão morrer. Nosso tempo pode ser exinguido a qualquer instante. Estabilidade não existe. Tudo está em constante mudança. Não precisamos buscar nada fora, nada está em falta, a única viagem necessária é para dentro. Por fim, não podemos salvar pessoa alguma, cada um está naufragando, corpos doridos, e quem está se afogando não poderá ser salva e arrastará tudo e todos no processo.

Destarte, penso no problema com o desejo, devemos de facto buscar satisfazer os nossos desejos ou entender a natureza dos nossos desejos? Devemos dizer a quem tem desejo por álcool que deverá buascar formas de consumir mais ou de entender de onde vem esse desejo? Devemos satisfazer os nossos desejos e ficar irritado quando não conseguimos ou entender o quanto Ego nos engana dizendo que merecemos isso ou aquilo e personaliza tudo?

Diante da dor, precisamos entender o quanto disso reside nas coisas que permitimos, nas pessoas com quem aceitamos conviver, no contexto que acreditamos que precisa ser suportado... no nosso senso de auto-importância. Como temos sido engandos pelo próprio desejo de ser isso ou aquilo? - Não temos inimigos e ninguém poderá nos ofender se enfrentamos o nosso ego e seus desejos.

Venâncio Mondlane: Entre a Pedra de Sísifo e o Sonho Moçambicano

Nada mais arrogante do que acreditar que apenas criticar o sistema nos torna imunes às consequências de enfrentar as garras de uma estrutura...