sexta-feira, 15 de agosto de 2025

A Nova Mina de Ouro da África: Corpos no Feed, Não no Solo

De Cacau a Close: A Evolução do Extrativismo

Houve um tempo em que a África era sinônimo de ouro, cacau, café e petróleo — riquezas arrancadas do solo para engordar os bolsos do Ocidente. Hoje, o continente trocou as commodities tradicionais por uma nova safra: filtros de Instagram que vendem pele de silicone, coreografias de TikTok que disfarçam erotismo como "herança cultural" e um mercado de "conteúdo adulto" que faz o Kama Sutra parecer um folheto de academia. Jovens, muitas vezes vulneráveis, são as novas jazidas, posando para os fetiches de magnatas em Dubai ou Londres, onde o colonialismo agora vem com Wi-Fi e hashtags. Como disse Frantz Fanon em Os Condenados da Terra (1961), o colonizado é sempre um objeto, só que agora ele tem uma conta verificada.

Algoritmos: Os Novos Senhores Coloniais

Os algoritmos são os cartógrafos do século XXI, mapeando desejos com a precisão de um negreiro do passado. E o que eles querem? Não é a poesia de Okot p’Bitek ou as ideias de Amílcar Cabral. É pele, em ângulos que desafiam a física e a decência. Quanto mais explícito, mais o algoritmo aplaude: likes, shares, e um lugar garantido no topo do feed. A África, que já teve seus corpos leiloados em praças coloniais, agora os exibe em lives 4K, enquanto homens do Norte global, com carteiras recheadas e egos frágeis, buscam um "paraíso primitivo" para rugir como "machos alfa". Um estudo da UNESCO (2021) revelou que plataformas lucram bilhões com conteúdo sexualizado de regiões vulneráveis. Liberdade de expressão? Claro, desde que renda cliques.

A Educação Sexual do TikTok

Enquanto líderes discursam sobre "futuro digital" em cúpulas internacionais, adolescentes africanos navegam num buffet de gemidos, poses e "trends" que transformam demiurgos influencers  nuns experts sobre tudo. Esqueça manuais de educação sexual: influencers com sorrisos plastificados ensinam mapas do prazer em lives públicas, onde corpos negros viram mercadoria global. Um estudo da Nature Neuroscience (2023) alerta que cérebros jovens expostos a validação digital desenvolvem dependência de likes tão forte quanto de drogas. O resultado? Uma geração que confunde ser vista com ser amada, medindo autoestima em centímetro e oferecidos no ângulo certo.

O Teatro da Hipocrisia

O circo da moralidade africana é um show à parte. Deputados que de dia bradam pela “defesa dos valores tradicionais” à noite são clientes VIP de lives privadas, com nicknames como “PatriotaFiel69”. Pastores que chamam o corpo de “templo sagrado” têm carteiras digitais que rezam no altar do OnlyFans. A indignação pública é um roteiro ensaiado: todos gritam no púlpito, todos sussurram nas DMs. Como dizia Chinua Achebe em O Mundo se Despedaça (1958), a tradição é impecável até o dinheiro entrar na conversa.

Os mesmos "mais velhos" que falam da moral e o dos bons costumes ganharam um estranho gosto de trocar fotos e vídeos sensiais das moças buscando um almoço. Todos os dias tem um escândalo sexual que parte de um vídeo íntimo vazado. Isso é uma indústria de promiscuidade. 

Regular Não é Censurar

Falar em regular conteúdo faz os libertários de Twitter, que nunca leram Foucault, gritarem “censura” como se fossem heróis de uma distopia. Mas regular não é apagar cultura, é proteger mentes que ainda não sabem filtrar o lixo digital. Estados africanos precisam de leis com garras: limites de idade, verificação de identidade e multas que doam no bolso de plataformas como TikTok e OnlyFans. Um relatório da Internet Watch Foundation (2022) mostra que 80% do conteúdo sexual envolvendo menores vem de plataformas que “só conectam pessoas”. Conectar, sei. Proteger crianças de minas de cobalto não é censura, e proteger adolescentes de predadores digitais também não é.

Um Futuro Além do Close

Se nada for feito, a herança digital africana será um arquivo de nudes, não de ideias. Por séculos, o mundo nos definiu pelo que podia extrair: ouro, marfim, corpos. Chegou a hora de exportar pensamento, inovação, arte e menos closes que fariam o algoritmo pedir demissão. Como dizia Steve Biko em Eu Escrevo o Que Quero (1978), a libertação começa na mente. Mas, pelo jeito, o algoritmo prefere as nádegas saltitantes. Cabe a nós mudar o feed.


sexta-feira, 8 de agosto de 2025

O Reacionário Acidental Ou omo me tornei quase um conservador com cheiro de Marx no bolso

A Ascensão dos Salvadores de Feira

Eles surgem com bandeiras ao vento e promessas de ordem: os populistas de direita, sejam chamados de nacionalistas, reacionários ou "exorcistas da modernidade líquida". De Nayib Bukele em El Salvador a Giorgia Meloni na Itália, passando por Donald Trump e André Ventura, esses líderes apontam o dedo para imigrantes, minorias ou qualquer "outro" que possam culpar pelos males do mundo. E nós, que nos vemos como defensores da justiça e da razão, corremos para rotulá-los: fascistas, loucos, oportunistas. Mas condenar é fácil. Difícil é entender por que tantos, de mães trabalhadoras a jovens desiludidos, aplaudem suas soluções simplistas. Por que o populismo seduz até aqueles que, como eu, já sonharam com utopias coletivas?

O Apelo da Simplicidade

Confesso: já me peguei intrigado por políticas de figuras como Bukele ou do partido português CHEGA. Não porque me tornei um reacionário com saudades de um passado idealizado, mas porque a esquerda, minha velha companheira de sonhos, às vezes parece mais preocupada em analisar as raízes da criminalidade do que em proteger quem teme sair de casa à noite. Em 2022, Bukele lançou uma ofensiva em El Salvador, prendendo mais de 70 mil pessoas em 18 meses, segundo dados oficiais. A taxa de homicídios caiu 60%, mas a custo de denúncias de violações de direitos humanos. Para muitos, ele trouxe segurança; para outros, apenas a ilusão dela. O povo, exausto de ensaios acadêmicos sobre desigualdade, aplaudiu a ação e não por desprezo à justiça, mas por desespero por resultados.

Não é só em El Salvador. Na República Democrática do Congo, um líder local, Monsieur Mutamba, ganhou fama ao executar criminosos em transmissões ao vivo, segundo relatos de 2024. Questionado sobre direitos humanos, ele os chamou de "invenção ocidental" — e foi ovacionado. A incoerência é gritante: o mesmo povo congolês que chora pelos guetos franceses aplaude linchamentos caseiros. Por quê? Porque a promessa de segurança, mesmo que ilusória, tem gosto de pão quente.

Em Angola, o mesmo povo indignado com a violência policial queima ladrões nas ruas, em cenas que lembram as antigas inquisições católicas. Um povo tranquilo não gera polícias ou políticos violentos; todos são semelhantes, até na corrupção. A indignação é que uns vivem o Gangsta Paradise e outros enfrentam a realidade dos afastados da corte. A busca por soluções simples sempre justificou violências e horrores dos quais todos somos cúmplices.

A Hipocrisia Global

O populismo não floresce no vácuo; ele se alimenta das contradições do mundo globalizado. Veja a questão do véu islâmico. Países árabes exigem que chefes de Estado ocidentais usem o hijab em respeito às tradições locais, e o silêncio reina. Mas quando nações europeias, como a França, debatem a proibição da burka em escolas públicas, gritos de opressão ecoam na mídia. O direito de decidir sobre o próprio corpo vira um argumento de ocasião, aplicado seletivamente.

De qualquer modo, o mesmo povo que pede ao Ocidente leis mais flexíveis para obtenção de nacionalidade europeia mantém leis patriarcais que me impedem, eu, um bom santomense, de me tornar cidadão desses países ou de garantir cidadania ao meu filho, se o tivesse. Vejo que, nessas mesmas comunidades magrebinas racializadas na Europa, muitos acabam por discriminar negros em guetos ainda piores em seus países de origem. Talvez o Ocidente não seja tão mau quanto o pintam.

Essa hipocrisia não é nova. Mahatma Gandhi, ícone da luta anticolonial, defendia os direitos dos indianos na África do Sul, mas chamava os africanos negros de "cafres", com a condescendência de quem se via acima deles. Hoje, na Líbia pós-Gaddafi, relatórios da ONU de 2023 confirmam a existência de mercados de escravos, onde imigrantes subsarianos são vendidos sob o sol escaldante de uma suposta modernidade. E na África do Sul, onde sonhamos com um continente sem apartheid, a xenofobia contra outros africanos cresce — não entre brancos nostálgicos, mas entre negros, muitos deles filhos da luta contra o regime. Segundo a Human Rights Watch, ataques xenofóbicos em 2024 deixaram dezenas de mortos em comunidades pobres. É uma punhalada vinda de dentro.

O que mais tocou minha alma foi a fala de Venâncio Mondlane sobre a xenofobia em Portugal. Ele relata que André Ventura lhe disse que o problema não são os moçambicanos, mas "os outros". Esses "outros" que tentaram apoiar a causa de Mondlane. Os "outros" que podem ser racializados e desumanizados, enquanto os moçambicanos, aparentemente, não. Está aí o modelo de combate alienante e excludente.

Um Marxista em Crise

Eu, um santomense criado com os ecos da Internacional e da utopia panafricana, sinto uma dor profunda. Como marxista, acredito na luta coletiva, mas o mundo real me força a encarar verdades incômodas. Em São Tomé, amigos defendem ocupações ilegais em Lisboa, mas reclamam quando alguém invade um terreno aqui. Quando apontei essa contradição, quase me chamaram de traidor. Perguntei: “E se fossem portugueses construindo barracas no teu quintal?” Silêncio. Às vezes, é preciso devolver o espelho.

Meu medo era virar reacionário. Mas começo a entender que não é absurdo um país querer decidir quem cruza suas fronteiras ou que tolerar os intolerantes pode ser perigoso. Não defendo muros, mas reconheço o apelo de proteger o que é nosso — não por ódio, mas por pragmatismo. Se ex-colônias escolhem negociar com a China ou o grupo Wagner, é soberania. Se a União Europeia parece um condomínio hostil, que se reconfigure. E se um imigrante se sente humilhado, que busque novos caminhos: talvez Angola, Cuba, ou até Marte.

Eu, que fui ensinado a ver qualquer um que sofre como meu companheiro de luta, não consigo enxergar raças. Um português sem habitação é meu companheiro. Sei diferenciar um colono português de um português comum, um norte-americano oprimido de um imperialista. São meus irmãos de cruz. Entendo o povo como o povo, aquele que luta por um mundo melhor, sem ideologias ou pretensões de virar elite. Vejo os povos do mundo como companheiros contra aqueles que querem nos dominar. E entristece-me esse cenário de luta interna.

Um Novo Caminho

O sonho da globalização morreu. Não há mais ONU, só grupos de WhatsApp onde todos gritam e ninguém resolve. Imigrantes africanos enfrentam discriminação no Golfo, racismo no Norte, violência na América Latina, e são chamados de "sobreviventes" com um sorriso cínico nas estatísticas. Chegou a hora de nos organizarmos. Não por vingança, mas por sanidade. Construir nossas próprias universidades, decidir quem pesca em nossos mares, escolher nossos parceiros de negócios. Menos esperança ingênua, mais cálculo estratégico.

Como marxista, quero acreditar na solidariedade. Mas, como santomense, sei que o mundo não espera por sonhos. E você, o que fará agora que a utopia global ruiu? Continuará gritando contra os populistas ou começará a construir respostas?

Sem Medo, Nada Funciona: a verdade sombria por trás da produtividade

Estamos a viver uma época em que o medo já não é apenas um sentimento: tornou-se uma infraestrutura invisível , uma tecnologia silenciosa qu...