terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

A família tradicional santomense e os seus fantasmas

Prelúdio

Em decorrência da minha participação na resenha da semana ao convite de RSTP, acabei falando um pouco sobre a tema da família e não tive tempo para desenvolver alguns temas. 

Todavia, quero poder aprofundar alguns pensamentos que não tive tempo de o fazer ou acabei por me esquecer quando tratava sobre a "A sagrada Família" Santomense. Perdoe-me a ironia ao chamar de "sagrada família" e por emprestar o conceito ao Marx e Engels. Quero tocar em alguns pontos que podem servir de reflexão e contribuir para uma análise posterior entre os meus compatriotas. 

1 - O estado santomense é laico: 

Por qual motivo conversamos com algumas entidades religiosas e deixamos outras de lado? Se os nossos valores democráticos repousam sobre a tolerância e a coexistência de credos, religiões e até a ausência de religiões,  por qual motivo falamos de valores bíblicos e não de valores sociais?

2 - Não podemos confundir a religião com ética ou moral 

Alguém ser religioso não o torna moralmente bom. O contrário também não é verdade. Por isso, certamente assistimos um conjunto de violência social porque algumas pessoas decidiram que os seus deuses são melhores que os dos outros. Não podemos aplicar dogmas religiosos para conferir a moralidade de uma ação familiar. Posso ser ainda mais irónico, mesmo entre os cristãos, as diferentes congregações degladiam-se entre elas para instalar o monopólio da Verdade. 

3 - A lógica por detrás da Família é económica e não religiosa!

O que confere o poder de "Pater familias" ao homem é a historicidade do monopólio do capital financeiro. O Pai é respeitado por poder prover a família, e com isso, ele decide quem vive e quem morre. Além disso, detém o monopólio da violência, tendo a força para punir. - Parece bem animalesco o que digo, pois é... somos animais com um pouco mais de linguagem e capacidade abstracta. Basta notar que a revolução sexual feminina ocorre quando a mulher entra no mercado de trabalho e ganha alguma independência. Pela primeira vez na história as suas vozes podem ser ouvidas no mundo ocidental e não ser ouvida não levaria ao perecimento físico. 

4 - O corpo da mulher, entre o controle e a vontade de liberdade 

O corpo da mulher sempre foi objeto de controle. A religião sempre tentou controlar o desejo sexual da mulher chamando-o de diabólico e abominável. Elas mentirão até a morte para simular que não são atravessadas pelos mesmos instintos sexuais que caracterizam os homens. Eu não as julgo, é um ato de sobrevivência social. E claro, foi legando para a mulher um papel secundário... não celebra missa, não virarão representante de São Pedro e jamais serão chamadas "Mater Familias". A partir de momento que algumas mulher ascendem ao poder e independência financeira, estragam a dinámica de relacionamento "tradicional". Primeiro, porque os homens tradicionais foram ensinados a prover e já não o podem e e as mulheres ensinadas a obedecer os provedores, já não conseguem olhar para um ser que está abaixo na escala financeira e o respeitar, porque o único tipo de respeito que foram ensinadas a ter é a intimidação física e financeira. Portanto, os valores familiares não são afetivos, mas puramente económicos e de segurança.

5 - Não podemos entender a perda de "valores familiares" olhando para os fenómenos religiosos.

Desde a filha que sustenta os pais e traz dinheiro para casa e com isso compra o silêncio e os deixam apenas desempenhar o papel de meros obedientes; desde os filhos que não precisando dos pais economicamente mudam de comportamento diante dos mesmos... nada disso é religioso e nunca foi. Desde o marido que tem 4 mulheres "oficiais" e nenhuma reclama; desde o rei que possuía várias concubinas e todas concorriam pelo seu afeto... nada disso é e jamais será religioso. É tudo sobre dinheiro e poder. Desde o pastor que "come" as ovelhas a partir do discurso sobre o invisível e ninguém desconfia porque ele em tese é padre ou pastor, e certamente teria a superioridade moral para não se deixar guiar pelos desejos mundanos, mas como devem saber, a carne é fraca. 

Em conclusão 

Aprecio que o presidente esteja preocupado com a situação das famílias. Que cada criança na rua sangre o coração de quem está na cabeça da nossa santa nação. Contudo, agradeço que possamos olhar além de toda a metafísica e tratar do mundo da vida. Os valores bíblicos são políticos e não refletem a nossa época. Precisamos entender como TikTok, Instagram e Facebook estão destruindo os "valores" familiares... precisamos entender como a fome tem prostituído as famílias e levado ao feminicídio e causando a crise de famílias monoparentais. Precisamos ver como as drogas lícitas e ilícitas estão afetando as famílias. Precisamos acabar com a depressão causada pela carência afetiva e sensação de estranhamento diante do mundo. Sobre Deus, deixe que cada um pessoalmente cuide da sua fé e que os padres e pastores possam falar à sós com seus amigos invisíveis. 











quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Soluções inividuais para África, não passam de pura masturbação egóica!

Eu sei, tu sabes e nós sabemos. Adoramos a ideia do negro que veio do nada e através de uma luta contra o Golias sistêmico, ele vence e impõe ao mundo a sua estética. A África parece vencer. O público aplaude, temos motivo de orgulho, de repente Pantera Negra torna-se Wakanda e o Partido Pantera Negra cai no esquecimento. De repente a Lupita Nyong'o do alto do conforto dos seus holofotes é autorizada a passar por especialista sobre africanismo, claro,  desde que não comprometa os meios de produção capitalista e é tida como musa do ativismo negro. Angela Davis torna-se um papel retorcido no armário do esquecimento. 

Por consequência, temos de parar de erigir heróis como se buscássemos representantes por uma África melhor. Primeiro veio o Obama, sentimos orgulho de ter "um dos nossos" ali, bem, não correu muito bem. Outros heróis negros vieram. Um conjunto de estrelas africanas ressurgindo através das grandes gravadoras cantando sobre amor e festa, de repente, Fela Kuti fora do mainstream, Miriam Makeba também e todos os cantores focados em apontar para as falhas do sistema que produz pobreza deixaram de ter voz. O que vende é sexo, alienação, perucas, dreadlocks, todos os traços superficiais do africanismo desde que os seus valores mais importantes não venham à tona. 

Todavia, queremos a jornada do herói capitalista. Ninguém quer ser o gajo que lutou por um mundo melhor e mal conseguiu ter três casas e dois carros e corpos para o seu uso doméstico. Sankara, Lumumba, N'Krumah, ... pálidas lembranças que faz sentido citar mas não viver. Ao fim do dia, queremos sentar no nosso sofá, deslizar os dedos sobre os nossos iphones e foda-se a grande luta. Queremos um influencer para nos dizer que existe uma forma de se dar bem nessa crise. 

Portanto, pouco importa se o chocolate que comemos vem do trabalho escravo na Costa de Marfim. Pouco importa se o nosso iphone tem o sangue de incontáveis congoleses nas minas. Pouco importa se as nossas roupas favoritas cheiram o suor das pessoas mal pagas no Bangladesh, México ou Paquistão. "o consumo alivia o sofredor" - diriam os Racionais Mc's. 

Na verdade, estou só farto dos que acham que os santolas são preguiçosos quando fazem o trabalho por um valor que ninguém na Europa aceitaria. Estou farto de pessoas que querem salvar o mundo, mas estão implorando para que façam parte da festa dos opressores. Estou farto dos que não conseguem perceber que não se trata de cada um lutar para ter carros com pneus maiores, mas sim, juntos construímos uma estrada coletiva. Nunca houve lados, apenas alguns espertos com medo que se apossaram de tudo e criaram uma África que os filhos tentam a todo custo escapar para não voltarem mais. 

Mané, Mbappé ou Salah, ou mesmo Michael B. Jordan, eles estão lá! Nós admiramos os seus feitos, mas as nossas lutas não são iguais! "They don't care!". Beyoncé não quer saber da negra pobre da perfieria do Gana. Ela fala do empoderamento para mulheres burguesas. Jay-z não se importa com os meninos na mina do Congo. Os ídolos negros pop não são nossos amigos e não se importam com aqueles que não lhes possam pagar. Precisamos voltar para o Cabral, DuBois, Sankara e Malcolm X. 

Foda-se Wakanda, isso é apenas masturbação para negros burgueses! Vamos olhar para África real. 



Venâncio Mondlane: Entre a Pedra de Sísifo e o Sonho Moçambicano

Nada mais arrogante do que acreditar que apenas criticar o sistema nos torna imunes às consequências de enfrentar as garras de uma estrutura...