quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Ao fim do dia, somos todos idealistas (5 aforismos)


1.

Estamos convencidos de que as pessoas não são confiáveis. Geralmente quem diz isso parte do pressuposto que seja confiável. Que todos exceto ela não são confiáveis. Que podemos esperar traição e inveja de todos, menos dessa alma pura. E ao fim do dia, todos pensam que são essa exceção.

2.

Posso ser ainda mais sarcástico, se eu vos disser que 95% dos santomenses pertencem ao famigerado clube dos idiotas – todos concordarão comigo e ao mesmo tempo se considerariam parte de um clube seleto reservado às figuras proeminentes. Em caso de dúvida, basta notar como todos os santomenses se sentem a exceção à regra e possuidor de privilégios morais e sociais quando estão diante de uma situação que exija algum nível de legalidade. Uns citarão até o código cívil. 

3.

Ninguém tem mais conselho para dar sobre a riqueza do que aquele que acredita ter encontrado a receita do sucesso. Ele vai falar-te do início difícil e improvável, conta um conjunto de histórias sobre a decisão estratégica que teve na vida. Ao fim de vários discursos dignos de aplausos, ele respira, e fala do quanto a família e os amigos o invejam na atualidade… eles invejam a sua mota Suzuki 100, sua casa caindo aos pedaços e o seu harém de esfomeadas que o assediam nos horários impróprios.

4.

Elas dirão que os homens santomenses não prestam! Elas dirão que somos cães guiados pelos nossos hormônios. A pergunta que fica no ar é a mesma: de onde vem tantos cães se não há cúmplices do género oposto?

5.

Depois de 83 os meus queridos compatriotas não puderam mais pensar além do próprio estômago. Época difícil, crise de fome no país e o poder da abstração não ia além do almoço. Depois de uns mamões cozidos e folhas místicas toda a economia-política passou a girar em torno de retirar o máximo possível, guardar, e lembrar que os tempos sombrios virão e precisamos ter algum farnel, quer para o pequeno gangster bem como para a família – questões de sobrevivência apenas 


sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

“Há quem tenha medo que o medo acabe…”

Faz alguns anos que me deparei com essa frase, na verdade uma frase resultante de uma palestra de Mia Couto. Por algum motivo, eu relaciono logo com o pensamento de Krishnamurti de que enquanto houver medo, não haverá liberdade.

O medo aparece como um lembrete de que a nossa sobrevivência está em risco. O medo de dizer o que pensa porque a tua sobrevivência depende do teu empregador; Medo de intimidade ou vulnerabilidade porque poderá ser usado pelo teu parceiro/a contra ti; medo de não poder consumir artigos de moda, porque os outros podem não te dar valor; medo de cair do patamar financeiro, pois conquistaste o amor com status económico e tens medo que a relação não resista às dificuldades. Medo… medo de seguir o que gosta, pois, tem grandes chances de não se dar bem no mercado de trabalho.

Todavia, tenho visto jovens realmente com medo… medo do mercado de trabalho, de não ser encaixado e ter um rótulo de insucesso. E é a partir desse medo que se inicia todo o jogo de dominação simbólica. Os bambus que não se dobraram ou os que não se mostraram flexíveis acabaramm por ser quebrados…

Destarte, o medo enquanto uma algema ideológica. Com o medo criamos o nosso paraíso artificial de fuga: Lisboa, Londres; Partidos Políticos.. suicídio; criamos uma carreira; um personagem para os outros. Deste raciocínio resulta uma sociedade líquida, não quero mais citar Baumann, mas é isso. As relações por carência; as amizades por conveniência e a obediência por medo de punição.

Logo, como podemos tirar das nossas relações humanas algo de real? Daí decorre tantos inertes ansiosos e depressivos funcionais? Daí decorre a necessidade de elementos químicos para fugir da realidade? Se a tua vida está miserável, a solução não está no novo ansiolítico, mas em mudar de vida. E muitas vezes numa revolução pessoal em prol da autenticidade; mora na recusa em aceitar absurdos guiados pelo medo. Pois, é muito difícil abafar a insistente voz da nossa consciência. Que o único mestre seja nossa própria consciência!

Venâncio Mondlane: Entre a Pedra de Sísifo e o Sonho Moçambicano

Nada mais arrogante do que acreditar que apenas criticar o sistema nos torna imunes às consequências de enfrentar as garras de uma estrutura...