terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

O prazer como medicamento contra a morte?

 Geralmente deparo-me com a frase como: “todos nós vamos morrer, por isso, precisamos aproveitar a vida ao máximo” – O que não dizem e fica implícito é o que quer dizer “aproveitar a vida”. O que temos aqui para aproveitar? Onde vamos aproveitar e como?

Todavia, depois de dizer "aproveitar", a pessoa segura num copo de cerveja e afirma que só se vive uma vez e não compensa negar os prazeres da vida. A partir daqui podemos ousar filosofar um pouco… então, o prazer é a forma mais rápida de aproveitar a vida. Logo, o homem estaria condenado a uma vida de evitar dores e buscar o máximo de prazer possível. Parece correto… mas a conta não fecha.

Por qual motivo a conta não fecha?  - Porque o que nos dá prazer, não necessariamente nos faz bem e causa uma dependência a partir de um ponto. Ter prazer e ter momentos felizes parecem a mesma coisa, mas se trata de categorias diferentes, mesmo ao nível bioquímico. Nesse momento podem pensar que tem um Lopandza pregando o ascetismo e a vida sem prazeres. Garanto que não é isso.

Vejamos, ao passar por uma tenda de cacharamba e dar de encontro com os bêbados, tenha noção que o prazer os deixou ali nesse estado. O prazer como fuga da realidade é viciante, tira as pessoas da tensão atual, e um dia elas são atropeladas pela realidade e não resta nada além de um corpo buscando por mais prazer. Mais do que isso, o prazer não pode ser repetido com a mesma dose inicial. Pense na tua infância e as coisas que te davam gozo e prazeres enormes. As festas que darias a alma para ir… as festas não ficaram sem graça do nada, apenas precisas de festas com níveis cada vez mais intensos de prazer para causar a mesma sensação ou de beber tanto para que uma festa repetindo as mesmas músicas com as mesmas pessoas não pese tanto nos teus ombros.

Com efeito, se aproveitar a vida é apenas sexo, comer, beber, rir, fugir das responsabilidades e garantir que tenha o mínimo de dor… isso é uma vida bovina, vida de uma vaca no pasto. Quer dizer que todo esse potencial humano, a imaginação, a linguagem, a abstração, servem apenas para isso… sexo, drogas, álcool e entretenimento?? Tantas questões interessantes, a vida cósmica, a política que nos dá um soco no estômago diariamente, as mudanças climáticas, a fome e todas as tragédias.. devem ser só regadas ao álcool e “aproveitar a vida”.

Por fim, quero partilhar o meu segredo contra o desespero. Tenho consciência de que antes de mim as condições foram melhores, depois pioraram, passamos 400 anos de esclavagismo com base racial… e os que lutaram não viram a vitória. Tivemos séculos em que a morte por doenças que hoje extinguimos, encomendava as almas e desafiava a existência humana. Vejo herança da humanidade em tudo, no sofá onde me sento, no laptop onde escrevo esse artigo, … vejo a história humana em todo o seu potencial e contradições. Como quero participar na História Humana? – embriagar-me e esquecer os problemas da humanidade?! Não seria “aproveitar a vida” uma contribuição de todo o nosso potencial para a futura geração? Que raios de vida aproveitada que precisamos estar embriagados e a ter orgasmos para distrair-nos?! Sei que nem todos possuem o luxo de pensar o porvir, aos que podem, o que vos detém? Foram silenciados pelos pequenos prazeres? – Meu pai citando Sócrates dizia-me: “Não morremos porque nos matam, morremos porque somos mortais, é da nossa natureza morrer” – E Ivanick, um Lopandza sem a mesma notoriedade ainda acrescenta: E viver? Porque temos tanta gente morrendo sem ter vivido? Não é da nossa natureza viver também? Quais são as prisões que nos tem impedidos de sonhar um futuro melhor e optar por essa fuga constate da realidade?!

 

 


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Texto sobre os mortos para a utilidade dos vivos

 


 

A vida é breve, o fim é inevitável e nesse meio tempo carregamos uma existência sem saber ao certo o que fazer com o tempo que temos aqui.

Pessoalmente, lembro de ter lido Voltaire por sugestão do meu pai. Tinha lido alguns livros seus famosos, quando o meu pai morre crio uma pasta com todos os livros que o meu pai gostaria que eu lesse. Entre os livros de Voltaire está o Micrômegas, um gigante vindo de Sirius, visitando o nosso sistema solar, chega na terra e discute filosofia com os terráqueos mais geniais. Em algum momento eles reclamam da brevidade da vida, e Micrômegas na voz de Voltaire diz que passou por várias estrelas e universos onde seres vivem até mil anos, e todos achavam que a vida fosse breve.

Sêneca acrescentaria, a vida é breve ou as nossas ocupações insignificantes roubam o nosso tempo? Quanto do nosso tempo é realmente nosso? – Ivanick acrescentaria, de onde vem a ideia que viveremos para sempre e envelheceremos como os nossos pais, avôs, vizinhos?! … a velhice não é garantida, a vida não é uma corrida para ver quem vive mais.

Por outro lado, tendemos a achar que existe uma fórmula como a vida deve ser vivida. Não tem. Quem arroga para si o conhecimento da boa vida não sabe o que fazer com a própria vida. A vida é exploração e não replicação de fórmulas fracassadas por outros. O mundo não foi criado por deuses, mas pessoas como nós, com angústias e frustrações, é o nosso papel buscar as nossas próprias conclusões e vivê-las.

Vitor Frankl, após sobreviver ao campo de concentração nazista percebe que a força para aguentar a vida não é uma questão física ou condições materiais favoráveis, a nossa maior necessidade é por propósito. Ivanick acrescentaria como um filósofo que nunca foi: De onde vem a ideia que precisamos sobreviver tendo uma vida que não queremos para nos manter vivos na vida que não queremos, não parece um ciclo estranho demais?!

Ailton krenak acrescenta: A vida não é útil, não vivemos medindo a nossa produtividade apenas. Não somos na medida que consumimos. O que é ser útil? O que andamos por aí a adorar? Quais imagem fantasiamos?

O que isso tem a ver com a morte? Porque trouxe essas referências que parecem aleatórias? - Porque a vida acaba, e precisamos pensar o que queremos fazer com o nosso tempo… Não seria melhor contribuir para que a experiência humana seja interessante para todos? O que queremos vencer? O que é vencer na vida quando a morte reduz tudo à nada?! A quem vendemos o nosso tempo tão limitado. E tu que lês, podes morrer amanhã, valeu à pena a experiência até agora? Queria ter perguntado isso ao Kaymy, Papito, meu pai, meus tios, amigos,… e ao menino Dalton que um dia desses se foi – Valeu à pena? Quais eram os vossos ideais e sonhos que deixaram na gaveta por realizar?

A quem vocês venderam o vosso tempo? Quantas costelas quebraram erguendo esse mesmo monstro social que vos engole?

 

Não quero aqui fazer uma propaganda de vida louca e irresponsável, mas o contrário. Se vamos morrer, temos de ser responsáveis com quem partilhamos o tempo, as ideias que defendemos e com as coisas que nos fazem bem! Compensa estar numa relação que te consome a alma? Compensa perder saúde mental num trabalho alienante? Compensa sofrer para manter status de família perfeita? Vais morrer, leve a porra da tua felcidade mais à sério!

A vida é breve, mais uma vez perco um amigo para me lembrar disso. Estamos juntos Kaymy! Estamos juntos Dalton, e tantos outros mergulhados no mesmo caldo do tempo.

Aos vivos, espero que estejamos ainda mais juntos, estamos atravessando o mesmo portal espaço-tempo, não precisamos ser inimigos! Não temos inimigos, não há ninguém que seja ok machucar, Precisamos pensar em criar nossos próprios valores que sejam de facto humanos

Venâncio Mondlane: Entre a Pedra de Sísifo e o Sonho Moçambicano

Nada mais arrogante do que acreditar que apenas criticar o sistema nos torna imunes às consequências de enfrentar as garras de uma estrutura...