sábado, 23 de setembro de 2023

Sentes-te triste? sorria, não resolve, mas a pessoal dará "like"

Posso facilmente adivinhar como é que a maioria da minha geração se sente – ansiedade; medo do inferno capitalista - pobreza; sensação de estar sendo socialmente vigiado; depressão; sensação de não se encaixar…

O evangelho aos pobres tem uma lógica interessante – podes controlar tudo o que te acontece, é uma questão de mindset. E caso não consigas aqui na terra, existe um outro mundo, mas claro, pós-morte, onde alcançarás a glória reservada aos humilhados.

Custava-me ver a forma como as pessoas justificam a sua desgraça. Está aí um bom momento para ver o poder ideológico. Alguém que perde um ente querido por falta de cuidados médicos de qualidade ou por falta de dinheiro para tal, acredita piamente que estava escrito e deus assim quis. A mesma lógica que faz ter tantas igrejas nos locais mais pobres e onde abundam desgraçados.

Por outro lado, as pessoas criadas em privilégios tomam por natural os seus privilégios também. Conheci muitos que tratavam outras como idiotas por não conhecerem “Disney Channel” ou McDonalds. Eles acreditavam piamente que nasceram com alguma inteligência superior e por mérito próprio chegaram onde chegaram. Pessoas que do alto do seu Toyota Prado oferecido pelo pai olham para uma menina vendendo saldo na rua e veem nela uma disputa legítima pelo topo.

Por consequência, a lógica ainda é mais caricata. A solução encontrada pelos pobres é a imitação do comportamento dos privilegiados. Fingir que os problemas sociais não existem para eles. Apoiam as pessoas que retiram seus direitos como se fossem iguais. Por proteger os privilégios de A ou B julgam possuírem a mesma identidade.

Uma prostituição moral interessante. Lógica de uma mulher espancada pelo marido que precisa fingir que nada acontece para que a sociedade não a condene. Julga normal porque muitas mulheres são espancadas, porém, não se atreve a rebelar. Tem dias que se sente abençoada, ao menos o marido não lhe cortou o braço como o marido da vizinha. Por isso, só posso concluir que existe uma cumplicidade.

Acreditas que a tua depressão passará com meditação? Oração? Pensamento positivo? gurus? – Não, dinheiro apenas. A maior ameaça ao amor continua sendo a falta de liberdade financeira. Está aí o poder ideológico. É a falta de dinheiro que te joga em trabalhos doentios, cursos contra tua natura e quantas das discussões entre os casais não giram em torno desse vil metal?

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

A construção dos aleijadinhos do crime

Deve doer a alma de qualquer um encontrar alguém que por força das circunstâncias encontra-se numa situação penosa. Deficiência física; um estômago que não para de gritar; uma doença que exige dinheiro; uma junta médica que nunca aparece; … tudo isso revolta-nos!


Queremos ajudar, contudo, confundimos geralmente a pobreza com a ética. Chamamos pobres de humildes por esse motivo. Sentimo-nos acareciados por Deus por ter o que eles não têm. A doutrina cristã dirá que é o nosso papel ajudar os mais desfavorecidos. 


Porém, um caso recente chamou a minha atenção para aquilo que já vinha dizendo em outros textos. Diabo tenta mais na pobreza. Por isso os santos precisam ser pobres. A vilania não tem classe social!


Fiquei sabendo do aleijadinho do crime. Um cadeirante que pede esmolas pela manhã e pela noite executa assaltos. Pela manhã ele convence-te com lágrimas, pela noite, ele convence-te pelas tuas lágrimas. Pela manhã ele é tristonho, impotente, quase um anjinho apelando ao nosso humanismo. Pela noite, o anjo é caído e revela reflexos de um Vampiro exigindo o nosso sangue. 


Todavia, não deixo de fazer comparações com os meninos que decidiram lavar todos os carros em todos lugares onde as pessoas buscam por um pouco de paz. Todo mundo é emboscado pelo carro já lavado e uns meninos exigindo para que sejam pagos. Se fores nacional, eles fazem parecer que podemos dar segundo a nossa humanidade. Aos turistas, aparece como um esquema de extorsão. Devo parabenizar os meninos por estarem mais organizados criminalmente. Os bares e os restaurantes são reféns desses pobres meninos. Expulsá-los faz parecer que são porcos capitalistas. Deixá-los, incomoda demais os clientes. Isso é o capitalismo, queremos um bom churrasco, mas não queremos o sangue dos animais em nossas mãos. Queremos medicina avançada, mas não queremos ver os testes que fazem nos animais... Somos humanos demais para encarar esses coitados sendo expulsos de um lugar por serem pobres. Mas não parecemos querer esses coitados pedindo-nos dinheiro a cada segundo. Complicado!


Enquanto assistimos ajudamos esses pequenos anjos, ora dando dinheiro, ora sensibizando-nos com a situação, ninguém faz a pergunta real: como esses meninos pararam ali? de quem é a responsabiliade? qual política pública para resolver a situação? Porque instituições idóneas não tomam uma atitude?


Desculpem-me se pareço insensível, mas não acho que a esratégia de contar com a solidariedade e boa vontade dos turistas e pseudo-abastados santomenses seja algo que faça sentido. Porque esses meninos não vão sair da rua e nem as pessoas devem ser coagidas com vários meninos pedindo coisas todos os dias por toda a parte. 


Por fim, nós sabemos como funciona e é assim em toda parte do mundo: primeiro eles pedem para o nossa consciência humana; pela noite eles aparecem com uma pistola na mão e falam diretamente com a nossa consciência mortal. Eles vão se organizar ainda mais. Essa história vai acabar com várias balas na cabeça dos inocentes que não foram disparadas por jovens que já não têm nada a perder. Já dizia Milton Nascimento... uns têm fome e outros não conseguem dormir!


Venâncio Mondlane: Entre a Pedra de Sísifo e o Sonho Moçambicano

Nada mais arrogante do que acreditar que apenas criticar o sistema nos torna imunes às consequências de enfrentar as garras de uma estrutura...