Desde o início, a linguagem apareceu como
uma necessidade de expressar uma ideia. Tentativa de comunicar-nos com os outros
a partir de códigos e sinais. Contudo, o que não nos contam é o quanto a
linguagem é limitada, mal sabemos o que sentimos e não conseguimos nomear as coisas
que passam dentro, os nossos olhares estão sempre desatentos.
Por um lado, no baile de máscaras que é a
sociedade, a única variável comum é a mentira. A maior mentira contada não é
aos outros, mas a nós mesmos. A grande mentira é a propaganda vendendo um
modelo de vida irreal a partir de estranhos apóstolos em vestes de “digital
influencer”. Por outro lado, estamos viciados na busca por distrações,
queremos evitar o que sentimos. Boa parte do problema poderá ser o trabalho que
não gostas, o parente narcisista, os amigos que não abandonas e o medo de estar
só.
De qualquer modo, estamos sempre
convencidos de sermos melhores ou piores do que de fato somos. Sócrates martela
de um lado o que ouviu do Oráculo dos Delfos: conheça-te a ti mesmo. Algo
simples, mas complicado de se fazer. Muitos não resistem aos rótulos. Os pais, dão-nos
um nome, no apelido, está aí sepultado toda a carga histórica e expectativas
frustradas que esperam que o seu gene carregado pela criança materialize.
Depois a criança se faz adolescente, agora é o pensamento do grupo, ela quer se
identificar com certos grupos e isso passa a ser a sua identidade… depois
adulto, o trabalho, a sua sexualidade, a conta bancária, os aplausos… tudo isso
joga naquilo que ele acredita ser… o que a pessoa é de fato? Queremos a
felicidade do outro ou que ela cumpra nossas expectativas?
Todavia, a poesia seria uma aposta alta! É
travar a vida agitada e suas rotinas desgastantes para começar a se indagar
verdadeiramente: que raio de felicidade é essa que preciso estar sempre dopado?
Essas pessoas que me envolvem e todos os rituais de prova de masculinidade ou
de capacidade de consumo fazem sentido para mim? O que fazer quando se sente
que nenhuma tribo reflete os nossos ideais? – mentimos para nós mesmos, o
problema deve estar em nós. A poesia serve para dizer que não tem valor algum
estar adaptado a uma sociedade doente.
Por consequência, como muitos, fico no meio
de um turbilhão de incertezas que muitos acabam aplacando com copos e corpos,
consumo de pessoas e adorações de objetos ou deuses e feiticeiros… e o baile de
máscaras segue, muitos passam tanto tempo com a mesma máscara que esquecem o
próprio rosto. A poesia serve para dizer que a vida é um ato de ousadia, um ato
de resistência, dar chance à realidade. A poesia questiona o quotidiano e
quebra os pés de argila da Normalidade…
Quem são os outros que nos olham como
juízes? Por qual motivo precisamos estar perdendo a nós mesmos numa tentativa
de pertencer, de buscar aplausos, precisamos de fato imitar a vida artificial das
redes sociais?! Por qual motivo todos os atos de amor aparecem ligados ao
consumo? O presente caro que significa amor, os banquetes intermináveis como
família unida, o casamento que precisa ser uma espécie de pompa para os outros…
Porque o Natal tem cores da Coca-cola? Quando foi que viramos jogadores do jogo
de quem importa menos com os outros? A história da civilização se encerra no
sepultamento de todos que ousam revelar a Verdade – Somos reféns de imagens
irreais.
Por fim, pessoas, tudo é sobre pessoas,
todas tão iguais representando um papel emprestado. A sensação que sempre tive
é de todos estarem em monólogos consigo mesmos, dois monólogos numa tentativa
de diálogo impossível. A sensação é de as pessoas imitarem ídolos: o tipo
intelectual, a pessoa de família, o arrogante disfarçando a ignorância com
títulos e posições sociais, a Diva soberba, … Depois o cansaço, rejeitei todos esses
títulos. Longe da perfeição, apreciava as conversas literárias mais irónicas
com meu pai. Amigos e companheiros de sarcasmo em toda a parte do mundo. A poesia
não tem pátria.
A poesia cai como um martelo estoico e
pergunta-me: conheces o teu bisavô e a vida que teve? – Respondo que não. A
poesia depois grita: memento mori! Um dia serás alguém que em duas gerações
ninguém se lembrará. Não precisas das opiniões dos teus contemporâneos. A vida
é o que acontece quando não és mais dominado pelo medo. Liberdade é quando não
negocias mais a tua felicidade aceitando rótulos… Por ser momento poético,
quero terminar com esse trecho:
“Todos esses que
aí estão
Atravancando meu
caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!”
(Mário Quintana)
Nota: Bem-vindo Marvin, nasceu no dia da
poesia e da criação da Ilha dos Poetas vivos!