terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Vulnerabilidade social: um caso de amor

 


 

Até um tempo atrás acreditávamos num paradigma de desastre como um raio que cai e deixa a todos impotentes e frágeis.  Nesse modelo de pensamento acreditamos que somos todos iguais e os problemas afeta-nos todos da mesma forma. O problema nacional de um é negócio de outros. Em situação de dilúio, uns estão na Arca como amigos de Noé e outros são engolidos pelo mar.

Com mais alguns neurónios percebemos que alguns são mais iguais que outros e a vida só dá segundas chaces e infinitas chances para os que estão no topo da pirâmide, aqui começa a história de vulnerabilidade social.

Talvez tenhas um colega que virou motoqueiro por ter estado a faltar aulas ou a namorar demais, contudo, os que estavam com ele na mesma atividade encontram-se de fato e gravata numa instituição pública ou fora do país numa vida tranquila. Ao fim do dia, o que não nos contam é que algumas pessoas são socialmente mais vulneráveis que outras em todos os sentidos

Pensemos, sempre partimos do pressuposto que os pobres são moralmente melhores, são humildes e se contentam com pouco. Na verdade, eles são vulneráveis a todo tipo de doenças e condições extremas que desafiam a moralidade. Aparentemente, o diabo tenta mais aos pobres do que aos detentores de posses.  O pobre é um cliente assíduo de filme de terror chamado: Desassossego.

O teu amigo rico pode-se dar ao luxo de trocar de curso várias vezes se ele não se identificar com o professor ou com algumas disciplinas. O teu amigo que vem de condições melhores, mesmo alcoólatra, será funcional e os estragos demorarão mais tempo a fazer efeito. Já um pobre, em uma semana de bebedeira incorre ao risco de acabar mendigando na primeira esquina de capital. Embiragar-se  com Whisky velho de 35 anos não é a mesma coisa que ficar bêbado na tenda de cacharamba bebendo álcool à base de pilha sem controle de volume de etanol.

Amor, amizade, lealdade, parece até uma invenção burguesa.  O que mantém os pobres unidos é a utilidade e a necessidade de sobrevivência. Basta olhar para história e conhecer uma legião de pessoas que abriram mão do amor para entrar em casamentos miseráveis usando o estômago como bússola orientadora. Na Bíblia está escrito que o amor é paciente e a tudo suporta, na verdade, a fome é paciente e tem um histórico de suportar as piores humilhações.

A dominação maior foi fazer as pessoas acreditarem que existe um caminho justo onde as boas ações serão recompensadas se suportarem bem as humilhações, afinal, “os humilhados serão exaltados.” Basta entrar na igreja e perceber quem está ali dentro: medrosos, pobres, doentes, neuróticos … Cristo veio para essas pessoas prometendo um paraíso futuro porque o paraíso artificial dos ricos já foi criado aqui na terra. 

Todavia, quero deixar isso mais patente. Eu sempre fui muito inocente, acreditava que os meus colegas sedutores possuíam um grande segredo para conquistar corações femininos. Fora algumas exceções que de fato se empenhavam em melhorar a si mesmos, boa parte estava na arte de enviar saldos, comprar telemóveis, pagar saídas e interpretar o papel de um novo rico ou um ungido social. Claro, quanto mais a moça for pobre mais a tática funciona. A necessidade e a possibilidade de consumo tem sido chamado atualmente de excitação. 

Por consequência, não acompanhe o teu colega burguês que é drogado, o teu amigo rico fumará liamba até aos 90 anos, já tu, acabarás louco aos 30 anos porque os contextos não são iguais. O teu colega burguês tem uma família dando suporte, tem menos estresse, e a alimentação não é imprevisível bem como tem acompanhamento médico de qualidade para cada espirro. Não acompanhe a tua amiga que vive de festa em festa bebendo todas e faltando aulas, ela será patroa e chefe de alguma secção onde estarás limpando o banheiro… ela até acreditará que se esforçou mais do que tu.

Por fim, se o mundo está afundando como titanic, saiba que uns esperam a morte bebendo champagne e ouvindo música clássica enquanto outros ratos pobres morrem afogados sem dignidade alguma. A mobilidade de classe existe, mas enquanto exceção. E para os bilionários, Titanic afundando e uns helicópteros pairam no ar para os resgatar. Basta lembrar que em situação de hipertensão, o rico viverá até aos 80 e o pobre morre na esquina aos 50 bebendo chá de uma folha qualquer – vulnerabilidade social, um caso de amor?

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