sábado, 12 de novembro de 2022

Reflexões sobre a construção do nosso castelo de areia

 

A primeira coisa para se entender o negócio do roubo de areia é: por qual motivo, apesar de tanto esforço, areia roubada consegue ser comprada facilmente? Por qual motivo as pessoas acreditam que a erosão deixa de existir por ter sido legalizada a extracção de areia para A ou B?

Todos conhecem a história de uma casa que caiu devido a erosão ou uma praia que deixou de existir pelo mesmo motivo. Todo mundo sabe que é ilegal a extracção de areia das praias ou das regiões costeiras… por qual motivo essas medidas de combater ao roubo de areia têm falhado?

A primeira visão é simples: os pobres roubam areia das praias porque existe um mercado frutífero para tal.  Algumas pessoas extraem areia das praias porque têm legitimidade para tal. Este é um diagnóstico básico.

Contudo, enquanto se condena, persegue-se na madrugada os ninjas nocturnos da “Vila Oculta” de areia, os seus compradores compram impunemente todo o fruto do roubo, com efeito, cada vez mais jovens prodígios arriscam-se nesse caminho ninja.

Enquanto os ninjas fogem, algumas entidades possuem a legitimidade para fazer a mesma operação em uma escala ainda mais gritante.  E produzem um lucro concentrado na venda de areia. Por um lado temos uma actividade ilegal e socialmente condenável, do outro lado temos “negócio”. A parte caricata é que o desastre é o mesmo, apenas temos actores diferentes.

Nesta senda, na busca do “santola dream” – casa própria, um carro grande, uma família e algumas concubinas… a compra de areia é frenética e sempre aquece o mercado. E para todos esses compradores não são sequer questionados de onde vem a areia.  Por qual motivo não questionamos? Por qual motivo não olhamos para o facto de que - ninguém vende se não existir um mercado preparado para o consumir. Precisamos condenar a compra de areia… e para tal, pensar uma alternativa, precisamos repensar o modelo de construção de casas. Precisamos repensar o nosso estilo de vida também.

 

Por fim, quero que visualize – andas pela marginal, os holandeses ainda não vieram, os passeios estão num constante “adeus”, a erosão está consumindo, o sistema de esgoto não consegue devolver a água pro mar… em dia de chuva podes fazer isso indo de canoa. As raízes dos caroceiros estão destruindo o que sobrou… Percorres a marginal ainda, olhas para o hospital (história longa), agora desces e passas pelo CFAO (outra história longa) e agora andas pela Praia Emília e vês empresas de construção (outra história longa) depois a ponte destruída pela inundação (uma história não tão longa) depois olha o Saton e as suas crateras (uma super história longa)… anoiteceu, os garimpeiros do Saton estão no activo… uma casa está caindo, um buraco, mais crateras… e voltas para casa relaxado repetindo – Um dia desses o mar nos engole!

E esses castelos de areia, esse avanço de mar, essa vulnerabilidade que tentamos não ver, essa gestão de risco que não fazemos está a avançar, e um dia o mar real avança um pouco mais e o nosso castelo de areia se desfragmenta no caldo do tempo, sobrando fotos para mostrar aos que ainda não estão cá -  futura geração. Estaria aí a prova da nossa mitigação, resiliência e adaptabilidade?!

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Nada mais arrogante do que acreditar que apenas criticar o sistema nos torna imunes às consequências de enfrentar as garras de uma estrutura...