A primeira coisa para se entender o negócio
do roubo de areia é: por qual motivo, apesar de tanto esforço, areia roubada
consegue ser comprada facilmente? Por qual motivo as pessoas acreditam que a
erosão deixa de existir por ter sido legalizada a extracção de areia para A ou B?
Todos conhecem a história de uma casa que
caiu devido a erosão ou uma praia que deixou de existir pelo mesmo motivo. Todo
mundo sabe que é ilegal a extracção de areia das praias ou das regiões costeiras…
por qual motivo essas medidas de combater ao roubo de areia têm falhado?
A primeira visão é simples: os pobres
roubam areia das praias porque existe um mercado frutífero para tal. Algumas pessoas extraem areia das praias
porque têm legitimidade para tal. Este é um diagnóstico básico.
Contudo, enquanto se condena, persegue-se
na madrugada os ninjas nocturnos da “Vila Oculta” de areia, os seus compradores
compram impunemente todo o fruto do roubo, com efeito, cada vez mais jovens
prodígios arriscam-se nesse caminho ninja.
Enquanto os ninjas fogem, algumas entidades
possuem a legitimidade para fazer a mesma operação em uma escala ainda mais gritante. E produzem um lucro concentrado na venda de
areia. Por um lado temos uma actividade ilegal e socialmente condenável, do
outro lado temos “negócio”. A parte caricata é que o desastre é o mesmo, apenas
temos actores diferentes.
Nesta senda, na busca do “santola dream” –
casa própria, um carro grande, uma família e algumas concubinas… a compra de
areia é frenética e sempre aquece o mercado. E para todos esses compradores não são
sequer questionados de onde vem a areia.
Por qual motivo não questionamos? Por qual motivo não olhamos para o
facto de que - ninguém vende se não existir um mercado preparado para o consumir.
Precisamos condenar a compra de areia… e para tal, pensar uma alternativa,
precisamos repensar o modelo de construção de casas. Precisamos repensar o
nosso estilo de vida também.
Por fim, quero que visualize – andas pela
marginal, os holandeses ainda não vieram, os passeios estão num constante “adeus”,
a erosão está consumindo, o sistema de esgoto não consegue devolver a água pro
mar… em dia de chuva podes fazer isso indo de canoa. As raízes dos caroceiros estão destruindo o que sobrou… Percorres a
marginal ainda, olhas para o hospital (história longa), agora desces e passas
pelo CFAO (outra história longa) e agora andas pela Praia Emília e vês empresas
de construção (outra história longa) depois a ponte destruída pela inundação (uma
história não tão longa) depois olha o Saton e as suas crateras (uma super
história longa)… anoiteceu, os garimpeiros do Saton estão no activo… uma casa
está caindo, um buraco, mais crateras… e voltas para casa relaxado repetindo –
Um dia desses o mar nos engole!
E esses castelos de areia, esse avanço de
mar, essa vulnerabilidade que tentamos não ver, essa gestão de risco que não
fazemos está a avançar, e um dia o mar real avança um pouco mais e o nosso
castelo de areia se desfragmenta no caldo do tempo, sobrando fotos para mostrar
aos que ainda não estão cá - futura
geração. Estaria aí a prova da nossa mitigação, resiliência e adaptabilidade?!