sábado, 11 de junho de 2022

Nunca foi perda de valores, apenas sintomas antigos de uma doença ignorada.


Sempre tentam nos convencer que as pessoas perderam os valores que anteriormente foram basilares da nossa sociedade santomense. Evocam valores como: dignidade, solidariedade, orgulho, vestir-se correctamente, conduta sexual cristã e outras coisas que se tornaram conversas que brilham que nem latão enquanto os mais conservadores tentam nos convencer que é ouro.

Quero abordar alguns pontos convosco de forma despretenciosa:

1 – Promiscuidade não é um problema atual, nem é uma questão de valores, é um problema socioeconómico – Desde criança todos nós ouvimos falar na tradição das catorzinhas, dos homens que foram buscar mulheres nas roças como quem compra porco para formar família. Invariavelmente histórias das mães que fugiram com outro homem para Portugal, ou de homens que assumem crianças que parecem muito com o vizinho… mais do que isso, homens com trinta filhos e múltiplas mulheres. Homens que não saberiam dizer quantos filhos possuem ou os nomes de cada criança. Incrivelmente é essa gente que vem nos dizer que a juventude é promíscua e a sociedade está em decadência. Se sobrevivemos aos pedófilos de carteirinha e aos polígamos e senhoras de moral duvidosa, vamos sobreviver à actualidade. A nossa geração apenas trouxe à luz todos os problemas que sempre existiram. Essa geração que oficializou ”mulher de casa” e “meio-irmãos”, nada tem a nos ensinar sobre condutas retas, eles nunca foram retos.

 

2 – Os jovens não inventaram o álcool – Sempre tentam tachar os jovens como alcoólatras, bêbados incorrigíveis e um bando de preguiçosos feitos zombies ao toque do etanol. Bem, os antigos sempre fizeram terapia alcoólica. É a mulher num casamento destrutivo que se mata levemente com vinho e cerveja. É o teu tio que toda hora está bêbado e ninguém te explica o motivo e preferem dizer que é trabalho de um curandeiro abade qualquer. Álcool é um problema nacional, precisa ser levado mais à sério. Mas, é um sintoma e não a causa como muitos querem nos fazer crer. Essa gente que está bebendo a maior parte está buscando uma fuga rápida para o sistema que asfixia. O desemprego, o baixo rendimento, o desassossego matrimonial, a insegurança alimentar… isso o aflige, daí que a taxa de alcoolismo é mais visível em lugares pobres. -Eles não são pobres porque bebem, eles bebem porque são pobres.

 

3 – A fraternidade e a amizade que se perdeu? – mais uma história mal contada. Na minha geração os irmãos ainda se falam. Pergunto aos mais novos, quantos tios que não falam mais com os teus pais ou a quantidade de pessoas que não se falam por vários motivos idiotas? Essa gente pode de facto dizer que já não valorizamos a amizade?! Quantos deles foram roubados por camaradas do partido e já não se falam? Quantos foram burlados e quase perderam a vida ou enlouqueceram?! Quantos perderam a mulher para um amigo “inflacionador de mercado sexual”?

 

4 – A nova geração é materialista, só pensa em dinheiro e ostentação – A maior mentira de todas. A geração que recebeu casa de graça, que invadiu casas e hoje se apropria com alguma altivez, não é menos materialista que nós. Essa gente que brincou de mágico do Oz com dinheiro de campanha, comprou carros, mandou mil mulheres para bolsas em Lisboa e outros países, nada pode falar dos “novos ricos” que fazem a mesma coisa. Aliás, é a mesma geração que patrocina as minhas colegas mais ambiciosas. A geração que aceitava um homem com várias mulheres desde que traga dinheiro para casa nada tem a opinar para a sua filha deslumbrada por euros e libras. A filha ainda vence em quesito imaginação. Os que faliram empresas públicas em nome dos prazeres da vida, só nos pode ensinar o caminho a não seguir, deixem-nos trilhar os nossos caminhos à luz de novos erros. Deixem-nos criar os nossos próprios pecados.

 

Por fim, agradecemos pelos vossos acertos, nós vivemos as vossas falhas e acertos. Muitos andaram de laguna enquanto o povo queria arroz. Outros tiveram a visão de aprovar pena de morte no país onde por sorte, não morreu alguém. Um foi pioneiro no multipartidarismo. Outros fizeram leis à medida para um ou outro, Fradique que o diga. Outros distribuíram terrenos com critérios misteriosos.  Não tem problema, é algo global, existe em toda parte.

 Mas o cinismo, essa forma de delegar problemas para a futura geração, isso sim é o maior pecado da geração que nos antecede. Deixe-nos inovar, somos a primeira geração que quer viver à margem do Estado, sem prebendas, mas empreendendo o próprio futuro. Deixe-nos provar do nosso próprio veneno, espero que tenhamos a hombridade de ser honestos com a futura geração. Espero que chamemos os porcos pelos seus verdadeiros nomes, como a geração passada não fez com a nossa.

Venâncio Mondlane: Entre a Pedra de Sísifo e o Sonho Moçambicano

Nada mais arrogante do que acreditar que apenas criticar o sistema nos torna imunes às consequências de enfrentar as garras de uma estrutura...