sábado, 2 de outubro de 2021

Da imoralidade na cobrança das documentações pagas nos concursos públicos santomenses

 O que eu acho mais interessante em todas as narrativas políticas, muitas vezes é a capacidade de o discurso ser incoerente e fazer sentido para toda a gente. Quanto mais estranha for a narrativa, mais as pessoas parecem seguir o baile ainda mais alienado.


Vejamos, todo mundo sabe que os custos são pesados para se reconhecer a assinatura, autenticar documentos, pedir o registo criminal, a certidão de narrativa simples e completa, o atestado médico … e por aí vai. Então, uma das promessas seria baixar os custos dessas documentações que são exigidas no processo de recrutamento público bem como a ausência dos mesmos ser a causa de desclassificação no processo. Logo, tirar 5 dobras ou 10 dobras do valor de cada documento  faz algum sentido? - Não, e eu explico o motivo.


Tomemos nota, pode-se facilmente olhar para o que ocorre em outros países. Na fase inicial do processo, basta não exigir esses documentos, apenas uma declaração que a pessoa possui ou as cópias não autenticadas das mesmas. Não custa nada. E caso a pessoa seja contratada, após as provas e as entrevistas, agora sim, deveria apresentar esses mesmos documentos. Algo simples e lógico. Alguém ainda poderia falar sobre o custo de realização do processo. Tudo bem, mesmo que cada concorrente pagasse uma taxa de inscrição de 300 dobras sairia muito mais barato que da forma como ocorre atualmente. O pior, não podemos reaver esses mesmos documentos após reprovar ou desistir do concurso. 


Com efeito, não acredito que seja uma ignorância pública, temos gênios em cada esquina desse país. Talvez estejamos diante do lobby do Registro Civil, precisamos pagar os emolumentos da nossa aristocracia laboral ou é uma forma das Finanças ganhar em cima de cada jovem ambicioso que deseja prosperar na função pública. Ou ainda, uma hipótese mais sombria, trata-se de uma crise de confiança social. Precisamos apresentar todos os documentos chancelados pelo Estado como prova de que estamos falando a verdade, ou seja, o Estado desconfiando do seu povo, e o povo por sua vez desconfia de todos os concursos públicos. Tanto a vitória como a perda no concurso público é desacreditada. Quem ganha tem medo de pavonear que passou e precisa fazer longos discursos sobre a sua legitimidade, e logo um grau parentesco ou partidário é visto. O derrotado sai sempre ressentido, acreditando que um mais idiota passou por alguma influência e de lá adveio a sua derrota.


Logo, é imoral a exigência de documentos a priori que custam fortunas e tem um uso limitado de tempo, bem como não são devolvidos após a perda no concurso público. Devemos racionalizar o Estado. Invés de cobrar menos, que tal não cobrar? Todos ganham!  


sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Canábis, a planta que deixou os candidatos chapados em São Tomé.


Um dia, o ministro da agricultura apresentou-nos uma possibilidade financeira, um negócio lucrativo para o país: licença para produção de canábis em São Tomé e Príncipe. Ele falou das cifras, falou da importância e todos pareciam achar interessante a proposta na época.

De algum modo, o jogo mudou quando um candidato acusou o outro de estar recebendo dinheiro do narcotráfico para as campanhas e o “povo esclarecido” entendeu que se queria fazer os jovens fumarem mais erva. O mesmo povo que não se preocupa com jovens sem saúde, educação e sem emprego.

A nossa classe de génio percebeu desde o início que a "liamba" é a causa de toda a violência em São Tomé e Príncipe. Mas não o álcool, não a pobreza, não a falta de políticas públicas – enfim, um vilão!

Mais do que isso, o ministro falou da legalização da produção por parte de uma empresa e não da legalização do consumo, mas isso não importava mais, estávamos em campanha. Tudo faz parte do arsenal político. Se o povo não gostou da ideia, fazia sentido os candidatos defenderem o mesmo em nome do voto.

Logo de seguida, o governo lavou as mãos e os candidatos seguiram a mesma rima de sempre. Eram todos contra: Porquê?  - boa parte diz que não temos estrutura de controle, o que de facto concordo, mas se é de uma empresa estrangeira que se fala, não creio que a empresa estaria ok em perder lucros para deixar os jovens “brisados”. Os mesmos defensores, passam do lado de tendas de cacharamba e acreditam que o estado tem estrutura para controlar o álcool sem medição feita em balde com pilhas para acelerar o processo de fermentação da cana-de-açúcar. Aliás, deixamos de ter cacharamba, todo mundo vende “cana-cana” natural. Mas quase não se vê tantos canaviais que justifiquem.

E se a mesma empresa quisesse instalar uma destilaria, seríamos contra? Estaríamos contra o álcool de qualidade e controlado? Ou não teríamos estrutura para controlar? Mais do que isso, a empresa estaria disposta a perder o lucro para embriagar a juventude? Ou o Estado diminuiria os impostos sobre a importação de álcool (como de facto fez) para estimular o consumo? Deveríamos acusar a Rosema que já embriagou todo o judiciário de corromper a juventude? Ou o Mé-zochi de produzir cacharambas sem medidas básicas de higiene (como de facto ocorreu)?

Bem, se forem ao site da PlantoMax, veremos que já falam que estão a produzir em São Tomé e possuem um escritório aqui. Ou eles estão mentindo ou existe um lobby já bem feito e o ministro precisa nos explicar isto.

Por fim, quais são os argumentos contra o plantio? São argumentos morais apenas. E qualquer jovem sabe que com um telefonema terá a seu cachimbo da paz em frente a sua casa em alguns minutos. Que tal controlar o mercado em vez de deixar como está para ver como fica? Do ponto de vista económico estou mais preocupado com o controle tributário do que com o plantio, não podemos nos esquecer, segundo o próprio Estado, Rosema passou anos em sonegação, como praticar tal ato sem a anuência do próprio Estado? Se o Estado diz que não obriga ninguém a beber legalizando o álcool, estaria obrigando alguém a fumar legalizando o “plantio da erva”?

Venâncio Mondlane: Entre a Pedra de Sísifo e o Sonho Moçambicano

Nada mais arrogante do que acreditar que apenas criticar o sistema nos torna imunes às consequências de enfrentar as garras de uma estrutura...